quarta-feira, agosto 25, 2004

Garrafas ao mar - II

Observo-me diante do espelho.
Sou dupla.
Existe uma em mim que se revela sem sutilezas ou temores.
Desconheço seu nome e imagino que ela pouco se importe com o fato. Poderia ser Joana, Maria, Irene. Que diferença um nome faz?
Ela é mais do que um chamamento, ela é um clamor.
Ela não fala, balbucia. Suas palavras roucas são ouvidas sem nenhuma dificuldade. Existe uma clareza enorme na articulação dos fonemas como se um anjo proclamasse revelações salvacionistas.
Amo essa mulher que se faz notar por sua presença pura e simples, sem adereços.
Seu corpo não pede acessórios. Tudo nela é essencial.

A outra mulher que me habita é barulhenta, acachapante. Fala rápido e em abundância. Tem o corpo coberto de miudezas que cintilam ao mais leve movimento.
Sua boca emite sons agudos que pretendem confundir e camuflar as reais intenções.
Tudo nela é inexato.

A imagem de ambas refletidas no espelho denuncia um jogo caleidoscópico onde as estranhezas individuais são um espetáculo à parte.

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