sexta-feira, outubro 27, 2006

Teorias amorosas (9)

- Alô.
- Susie?
- Quem é?
- Ulisses.
Após seis anos do mais absoluto silêncio, Ulisses resolveu aparecer. Assim simplesmente como se seis anos fossem seis dias.
- Susie?
- Oi.
- Estou na sua cidade.
- Ah, está?
- Sabia que me separei?
- Não, não sabia. Na verdade, eu nem sabia que você havia casado.
- Estou com saudades. Quero muito te ver, sair, conversar, tomar um vinho...
- Me comer... Tudo exatamente como antes, como se a última vez tivesse sido ontem, né?
Cinicamente, ele responde:
- Ai! Você não mudou nada. Continua cortante.
- Também você não mudou nada. Continua um cretino.

Teorias amorosas (8)

Ele quis ver com os próprios olhos. Há menos de um mês atrás, ela andava se arrastando pela casa, chorando as mágoas, sentindo a sua falta e agora, soube pelos amigos em comum que andava em grandes noitadas.
- E é assim que você me ama?
- ‘Alguém’ me ensinou a máxima: vai doer, mas depois passa. Passou.
- Tempo rápido o teu, hein?
- Não culpe o tempo. Ele não mitiga nada. Não é atenuante. Seu único mérito é deslocar o foco da nossa dor. E quer saber? Vá à merda.
- Que ridículo. Depois de velha, ficou obscena.
- Obsceno é o abandono. E velha é a tua mãe.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Teorias amorosas (7)

Ela nervosa: “Você disse que me amava, caralho”.
Ele impassível: “Exatamente”.
Ela histérica: “Exatamente o quê?”.
Ele mais impassível ainda: “Amava. Não amo mais”.

Teorias amorosas (6)

Vivia pelos cantos, amuado, murcho, na defensiva. Era refratário ao mundo ao seu redor. Dormia muito, tanto que já não era capaz de distinguir os dias.
Tentei contato:
- Que tal uma caminhada?
- Não tenho vontade.
- Já sei. Vamos sair, chamamos os amigos, tomamos uma cerveja.
- Vai você.
- Eu vou, mas e você?
Deu com os ombros.
- Esse teu silêncio é o que me mata.
De repente, num estalar de dedos, ele veio de braços abertos em minha direção. Ele sempre agia assim quando lhe faltavam argumentos, tão patético. Esquivei-me dos seus tentáculos. Seu abraço não iria mais abafar o grito:
- Do que você tem medo? Seja qual for o problema, eu não vou te abandonar!
- Talvez eu queira ser abandonado.
Talvez eu queira ser abandonado. Talvez eu queira ser abandonado. Isso ecoava nos meus ouvidos numa avalanche de sinonímia: “cai fora”, “eu não te quero mais”, “acabou”. Foi o que ele disse sem dizer. E se não foi, também não se retratou.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Ash to ash, dust to dust

Perdida. Eis como me encontro.
Não sei onde estão os caminhos que apontam para os recomeços.
Lanço os dados como quem inicia um novo jogo, mas por desconhecer as regras, não sabe como mover o pião. Ah, se eu pudesse, ao menos, discernir entre os pontos de partida e chegada, sentiria algum alívio, algum conforto.
Os dias são sempre iguais, ou pior, eles nunca são iguais aos que desejo. Uma estranha sensação de impotência apossasse-se de mim e tudo o que posso é transbordar meus rios subterrâneos.
Choro porque os dias são cinzentos, porque faz frio na minha alma; choro ao ler um poema, ao ouvir uma música, ao ver uma cena; choro porque colho rosas matutinas, mas não retenho em minhas mãos seu perfume; choro porque não consigo expressar o que sinto; choro de cansaço porque o cansaço é tudo o que me resta.
As palavras tornaram-se ermas. Hibernaram em busca de significados e o inverno, ah, o inverno é tão longo!
Enquanto o tempo arrasta suas horas, minha casa acumula poeira e eu me alimento de terra.

Teorias amorosas (5)

Todas as suas coisas couberam numa pequena valise e ainda assim sobrou espaço.
Passaram o dia mudos, evitando olhares, os mesmos cômodos. Um grande mal-estar tomou conta, a certeza do inconveniente, mas era 31 de dezembro e não dava mais para cancelar a ceia caríssima que haviam pago há dois meses atrás.
Então vieram a noite, as luzes, o brilho, o champanhe e os fogos. Dez minutos ininterruptos de fogos.
Melancólica, encostou a cabeça no ombro dele. Ficaram assim por um momento e depois foram embora.
Ele abriu a porta do carro. Ela pegou a valise e antes de despedir-se, observou:
- Sabe, olhando aqueles fogos, a explosão... acho que finalmente compreendi a nossa história.
- Sei. Breve, mas linda?
- Não. Muito barulho por nada.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Ato de Contrição

Seis meses após o rompimento, esbarraram-se no mercado central. Ela congelou ao vê-lo, seu corpo contraiu-se num espasmo curto.
- Como é bom rever-te bem, Dulce! Estás mais bonita. Emagreceste!
- O mérito é todo teu.
- ?
- Sofrimento combinado à inapetência é um coquetel infalível, meu caro. Deixa qualquer Spa no chinelo.
Sem graça, ele olhou-a bem no fundo dos olhos e com 180 dias de atraso disse:
- Perdoa-me pela minha incapacidade, pela maneira brutal como parti.
Os olhos de Dulce ficaram quentes e úmidos, seu rosto estava em brasa. Ela pensou que despejaria ali toda a sua dor, ira, desprezo e incompreensão. Que finalmente chegara o momento de cuspir todos os cacos de vidros que engolira, o fel; que o esmurraria, que cobraria a conta do analista, da farmácia; que o insultaria e pediria o ressarcimento por todos os danos, pelas poucas horas de sono, pelos dias não vividos, por cada ruga, pela memória quase perdida, pelo riso esquecido, pelos sonhos mofados. Mas para sua surpresa, não disse nada.
- Dulce, se pudesse voltar o tempo...
- Não podes.
- Eu sei, mas se pudesse, ajoelharia a teus pés (e já foi ajoelhando) e imploraria teu perdão. Pediria mais uma ‘última chance’. Eu sei, eu sei... já me deste a última chance pelo menos duas vezes, mas, Dulce, descobri que é a ti quem amo. Eu sinto tua falta.
Respirou fundo. Depois, serena e compassadamente, falou:
- Dá-me uma boa razão. Convença-me que mereces.
Amaro suou frio. Não podia desperdiçar a oportunidade. Então resolveu apelar para Deus.
- Porque és boa, Dulce. Tu és cristã e como tal compreendes que todos cometem erros e se os reconhecem são dignos de uma segunda chance.
Como é engraçado ver o ser humano em estado de desespero. Amaro ali súplice, na sua frente, de joelhos... por muito menos, ela o teria recebido de volta.
- Encontra-me amanhã, às três da tarde, em frente à Catedral.
No dia seguinte, às três horas em ponto, ele estava lá.
Um vendedor de flores aproximou-se e pôs-lhe um envelope nas mãos.
- Uma dona pediu para entregar, moço.

Amaro, podes escolher. Vá 1) PARA O INFERNO ou 2) PARA A PUTA QUE TE PARIU. Para teres certeza da nobreza de minha alma, certifiquei-me quanto aos endereços. Se ambos não forem o mesmo lugar, certamente devem ser casas vizinhas, de modo que não perderás a viagem.
P.S.: Bondade tem limite.
P.S2.: Se tinhas dúvidas, agora sabes: o Diabo também existe.