segunda-feira, fevereiro 28, 2005

É porque tenho as mãos em brasa que lanço flechas em sua direção; a ardência é tal e tanta que anseio por teu olhar que me refrigera e recompõe.

A dor não tem sutilezas, meu amor. Ela chega sem cerimônias e esmurra nossa cara, certeira. Jamais mata, no máximo nos desacorda momentaneamente. Nisto consiste toda a sua generosidade - numa pequena trégua.

Eu vivo para testemunhar o mundo que me rodeia. Tão débil e gelatinoso. Nessa não-forma, eu transito num sem rumo ou talvez em cem rumos que também não me dão a exata direção.

Mas é principalmente porque amo - a mim, a ti e tudo - que não me dobro às fúrias e descompassos. Eu danço livremente, zombando do tempo e suas vertigens.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Eu mereço...


O FINO DA BOÇA(LIDADE)
OU
EU SOU O MÁXIMO

Transcrevo na íntegra a matéria que saiu no Estado de S. Paulo do dia 20/02/05 (Caderno 2) porque me sinto incapaz de ser melhor ou pior, dependendo da ótica.

Fal, Jayme, me deu uma vontade doida de fazer adendos a cada resposta idiota (e a algumas perguntas também), mas desisti. Como diz a máxima do tio Sam: time is money.

Pelo método dedutivo: como nunca tenho tempo, será por isso que nunca tenho grana?

Marcelo Mirisola é escritor, autor de Bangalô e O Azul do Filho Morto, publicados pela Editora 34.

Que livro você mais relê?

Os livros que não gosto. Um livro bom é uma noite de amor perfeita com uma mulher que não existe... é como se o dia seguinte pudesse ser ainda melhor. O livro bom não merece ser repetido – eu raramente me atrevo.

E que livro relido ficou melhor?
Descarto essa possibilidade de antemão.

Dê exemplo de um livro bom injustiçado.
Sobretudo os livros de Drieu la Rochelle, qualquer um.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.
Seria o caso de dizer que o “autor” frustrou minhas expectativas. Porque se o livro é ruim, não passo do primeiro parágrafo. Daí eu não corro esse risco.

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Como é que um livro pode ser “bom” ou “surpreendente” se eu não dei nada por ele?

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.
Alguns sufocamentos, e não “cenas”; por exemplo, o narrador de Memórias do Subsolo trombando em seu “perseguidor” à procura de afeto.

Que personagens ganharam vida própria na sua imaginação de leitor.
Não dou muita bola para personagens... nem para minha imaginação.

Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?
Ainda está para ser escrito.

E que livro mais o fez pensar?
Me fez agir, o que é – em determinadas circunstâncias – mais veemente e necessário do que pensar. E isso aconteceu logo depois que li Trópico de Câncer, do Henry Miller. Cometi um crime: matei a Silvia Poppovic, e não me arrependo. Se ela voltar mato outra vez.

Literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga porquê.
Li os livros do Poe e agora Vértigo, do Paulo de Tharso... encontrei buracos nos dois autores. E desisti do “gênero”.


Cite:
Um livro meio chato, mas bom.

Não dou colher de chá para livro “meio chato”.

Um livro que você acha muito bom mas que jamais leu.
O título do livro é Contradição em Si. O autor não existe... poderia ser qualquer livro de Chesterton (com exceção de O homem que foi quinta-feira).

Um livro difícil, mas indispensável.
Duas Damas bem Comportadas, de Jane Bowles.

Um livro que começa muito bem e se perde.
Quando se perdeu, me perdeu.

Um livro pretensioso.
Budapeste, do Chico Buarque: além de pretensioso, chato pra cacete.

Um livro pior do que o filme baseado nele.
Uma cosa não tem absolutamente nada a ver com a outra.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?
Ulisses, de James Joyce... eu suprimiria 551 páginas.

De que livro você mudaria o final? Por quê?
Somente mudaria o final de um livro mediante pagamento e autorização expressa do autor.

Que livros que contrariam suas convicções mas que ainda assim você julga recomendáveis?
Não tenho generosidade para tanto.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.
Sou monoglota, troglodita, heterossexual e a favor da bigamia para a mulher dos outros. Portanto, não tenho nada a reclamar quanto a traduções.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro(s) publicado(s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?
Penso que a literatura brasileira contemporânea é pouco ou quase nada “criticada”, e sim muito “marqueteada”. Há uma diferença brutal entre uma coisa e outra. Meu romance O Azul do Filho Morto é um clássico e foi covardemente negligenciado pela “crítica”, negligenciado pela Fundação Vitae e negligenciado por todos esses prêmios literários furrecas que existem no Brasil. Inclusive e sobretudo negligenciado pelos autores que ganharam essas bolsas no meu lugar. Só existe uma maneira de corrigir tamanha aberração; que os “laureados” devolvam o dinheiro que me pertence.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?
Um clássico, em qualquer tempo? Bem, já tratei disso ao fazer o prefácio de Pornografia Pessoal de um Ilusionista Fracassado, do Nilo Oliveira, e fria outro prefácio para Dos Nervos, do Ricardo Lísias – uma obra-prima. Também não vacilaria em apresentar Certeza do agora, de Juliano Garcia Pessanha, em qualquer tempo e lugar.

Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam o seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?
Outra vez, repito: Ulisses de Joyce, esse não merece meu voto. Um que não é completamente ausente, mas é pouco citado: Extinção, de Thomas Bernhard.


Sobre a crítica:
Que livro festejado pela crítica você detestou?
Budapeste, do Chico “sambinha” Buarque. Não é implicância minha, de jeito nenhum. Basta confrontá-lo com qualquer livro de Dostoievski... e não sobrará nada do sambista.

E que livro demolido por críticos você gostou?
Elio Vitorini, conheci depois de ler uma resenha. Acho que só. Os outros autores descobri na Biblioteca Mário de Andrade. Tem muita gente por aí que nunca entrou numa biblioteca pública e fica reclamando de preço de livro.

Cite um vício literário que você considera abominável.
Um vício literário? Tem um abominável, que é escrever sobre futebol. Borges jamais cogitaria sobre esse tema. Eu mesmo já incorri nesta besteira, embora tenha me saído muitíssimo bem.

Que virtude mais preza na boa literatura?
A boa literatura me ajuda a esquecer que existem outras formas inferiores de manifestações artísticas; incluo aí o cinema, a música, o futebol e o programa do Ratinho.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Ao meu Anjo Gabriel


A descoberta de que a liberdade tem o sabor do impossível, do inenarrável impregnou-lhe os pulmões. Não queria outra vida senão aquela; gostava da visão proporcionada pelos vôos rasantes: tudo era movimento.

Subitamente esse movimento fora congelado como se um grande blackout sitiasse sua cidadela: o menino-pássaro quebrou a ponta da asa, interrompendo sua fome de velocidade. E ele já sabia o que isso significava.

Olhos grandes e úmidos molharam suas penas e temeram a chegada de um mundo estático e monocromático; seu corpo encolheu-se trêmulo e inseguro já sentindo-se engaiolado.

Mas por ser refratário à imposição do destino, deslizou a mente pelas portas encantadas do sonho e voltou a voar.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Convite

Marquem o dia 5 de março no calendário de vocês que estão em São Paulo.
Vai ter lançamento do livro (a tese de mestrado) de um amigo meu, que nas horas vagas também é músico, né Jean?

A Editora Reis convida para o lançamento do livro de Jean Pierre Chauvin

O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis.

Local: Bar Fidalga 33
Rua Fidalga, nº 32
Vila Madalena

Data: 5 de março de 2005
Horário: 20h
Maiores informações: www.fidalga33.com.br / F: 3032-7346

Para obter o convite que garante acesso ao bar sem pagamento da entrada, envie um e-mail para: tupiano@usp.br
(Jean Pierre Chauvin)

domingo, fevereiro 20, 2005

Teatro

PURGATÓRIO


Entreolharam-se furtivamente. Cabeças baixas, olhar de soslaio.
Fedra tinha o braço na tipóia e Medéia usava um lindo colar de gesso. E pensar que tudo isso tinha um só nome: ciúme.

1º ATO – PARAÍSO


Era uma noite muito especial. Noite do baile de formatura de Medéia.
As irmãs chegaram cedo no salão de beleza: fizeram depilação, cortaram cabelo, pintaram as unhas e fizeram maquiagem digna de estrela de cinema. Saíram de lá radiantes.
Chegando em casa deram início ao ritual: pernas, meias finas, sapatos altíssimos, jóias, perfumes e decotes.
Fedra comprara vestidos deslumbrantes para a ocasião. Mandara fazer modelos exclusivos e presenteara a irmã com um deles.
Animadíssimas com o resultado da produção, partiram ao encontro do grande momento.

2º ATO – A MAÇÃ

Entraram no salão provocando comentários gerais.
Medéia apresentou a Fedra aos amigos e notou, de cara, o interesse de Tartufo pela irmã. Entortou o nariz e metralhou-o com os olhos. Ele, todo indiferente às ameaças, sentou-se ao lado de Fedra, atiçando a ira de Medéia.
Cutucou a irmã e pediu, entre dentes, que ela a acompanhasse até o banheiro.
Alertou a irmã sobre o caráter de Tartufo, acionando automaticamente nela o desejo de “pagar para ver”.

3º ATO – BARRAQUINHO BÁSICO


Claro estava que misturar as gregas trágicas com o cômico francês ia resultar em ópera bufa.
Dança aqui, drinques coloridos ali, “segredos de liquidificador” e o barraco estava armado.
Pasmem! Medéia foi com tudo pra cima de Fedra. Puxou-a pelo vestido com tanta força que a alça de miçangas partiu-se, desnudando o colo da coitada. Não conformada, agarrou seu lindo coque banana, despenteando-a. O choro e a gritaria superaram o som do DJ, a maquiagem belle de jour cedeu lugar à mamãezinha querida. Fiasco total.
Tartufo vendo cena tão deprimente, não teve dúvidas, saiu sorrateiramente, mas antes pegou Mary Poppins pela mão e sumiu salão adentro.

4º ATO – O INFERNO EXISTE


Vinte e quatro horas numa enfermaria, uma diante da outra, olho roxo, hematomas nas pernas, braço quebrado e um baita torcicolo. Esse foi o prêmio por passar quatro anos cursando a faculdade de psicologia.
A gente nota logo que o aprendizado foi alcançado com excelência.
Depois de passar o sábado descansando no pronto-socorro, voltaram para casa. Dentro do carro, mal se olhavam. Fariam o percurso mudas, não fosse a visão da figura de Tartufo atravessando a rua deserta, diante do semáforo fechado.
Nessa hora, a comunicação mental funcionou. Desceram do carro e agarraram Tartufo. Deram vazão às pulsões freudianas.
Ofélia finalmente entendeu a aplicabilidade prática dos fundamentos psicológicos. E Fedra filosofou de si para si: vingança e prato frio eram o cacete.

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Correspondência

Querida A.,

Sabe o que me desencanta, o que deixa lágrimas nos olhos? É que tudo passa mesmo, inclusive as coisas delicadas que são breves, breves... e o aprendizado pela dor é o que fica e este é longo e penoso, daí que a gente corre um risco matématico claro de ficar amargurado, desesperançado, irônico, sarcástico, a bitter taste in the mouth, entende?

Não sei que lei universal medonha é esta que diz que todo aprendizado humano precisa passar pelo exercício da dor.

Eu prefiro cruzar o rio pela via menos tortuosa porque não tenho apego ao sofrimento, nem gosto das marcas que as quedas deixam no meu corpo. Cada vez que olho para elas, vejo a confirmação da incompetência humana de ser feliz.

Também não aceito explicações simplistas de que o sofrimento nos prepara para sermos melhores. Isso não é verdade, a psicologia tem vasta bibliografia sobre deformações causadas pelo sofrimento. Também desconheço torturados que aprovem o uso da violência na formação de suas pessoas.

Sabe que nessas horas eu me apego ao Ariano Suassuna e o JCMN, que falam de uma educação pela pedra, pela aridez e eu estou tão cansada dos desertos! Ando tão farta dessa dureza.

Ao mesmo tempo, eu sigo rindo, feito bobo da corte de mim mesma porque eu não quero sentar na calçada e chorar, eu quero, paradoxalmente, viver, embora tenha dias que a vontade de não acordar seja uma verdade quase universal.

Minha grande vingança sobre a dor, minha querida, é o tempo. O mesmo tempo que ajudou a iniciar essa carta, o tempo que passa e faz passar tudo.

Beijos,
V.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Vontade insaciada e insaciável de poder transformar o que me rodeia. Vontade de romper amarras ancestrais que o tempo arrasta para as minhas margens tal qual o mar que devolve para a areia o que não lhe pertence.

Quero ficar ressaquiada pelas ondas e pelas horas que sobram em mim, transbordando fomes do que é novo, do que é inusitado, do que é hemorragicamente necessário.

Não quero o que sobra dessas muitas marés porque o que sobra não é mais meu, é entulho, sargaço.
Ao fundo, o mar, Sonia Guerreiro

Ah, Manu, Manu!

Poema de uma Quarta-Feira de Cinzas
(Manuel Bandeira)

Entre a turba grosseira e fútil
Um Pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
Feita de sonhos e de desgraça...

O seu delírio manso agrupa
Atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro o apupa...
Indiferente a tais ataques,

Nublada a vista em pranto inútil,
Dolorasamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça...

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Oi pessoas!
Já tem um tempinho que estou pra postar esse texto dela, mas minha vida anda uma bagunça tão louca, nem queiram saber.
Então, hoje, faço minha mea culpa. Deliciem-se.
Beijos e bom carnaval.

JANAÍNA
A Janaína, cunhada da Paula Regina, levantou às 4 da manhã para limpar o cocô do cachorrinho naquela chuva. Escorregou no quintal, lógico, abriu a cabeça. O noivo dela, o Rodolfo Henrique (irmão da Paula Regina), levantou correndo, mesmo engessado, para correr com ela para um pronto-socorro. O pai dela não achava a chave do portão, depois foi a chave do carro que sumiu, não se tinha a mais remota noção de onde estaria a carteirinha do plano de saúde, enfim, naquela chuva e naquele frio, àquela hora da madrugada, ninguém era de ninguém. Chegando ao pronto-socorro, ainda queriam prender o Rô, porque aquela história estava mal contada, esse negócio de cachorro era absurdo (convenhamos, é esquisito mesmo) e aquele sangue esguichando da cabeça da moça tinha que ser resultado de espancamento. No final não prenderam ninguém, mas o médico raspou metade da cabeça da Jana, para dar os 11 pontos, sem levar em consideração que ela havia gasto 70 reais fazendo decapagem e reflexo no cabelo, depois de pintá-lo de preto por 15 anos. Enfim, quando eles voltaram para casa, o sol já estava alto. A Jana estava cheia de hematomas e meio careca e todo mundo estava com sono, cansado, com fome e mal-humorado. Qual a conclusão da Paula Regina, vendedora da Natura, piloto de provas da Elizabeth Arden, viciada terminal em cremes milagrosos, ácidos glicólicos, tintas variadas para cabelo e rímel incolor?
- Tá vendo, Lindíssima, a gente com tanta vaidade, e nada nesse mundo vale nada. Não cai uma folha da árvore se Deus não quiser.

terça-feira, fevereiro 01, 2005

"Pés para que os quero se tenho asas para voar.”
- Frida Kahlo

E seu sorriso engolia o mundo.
Seus olhos fotografavam o vento que soprava a imensa dimensão da vida. Sentia que podia correr, ser mais veloz que qualquer super-herói jamais inventado.
Os braços, ele os abria em arcos generosos como asas. Ele era, naquele momento, gaivota mergulhando céus e mares. Ele começava a perceber a noção do movimento, das pernas famintas por estradas longas e sinuosas.
Seu coraçãozinho de menino-ave entendeu o que é liberdade e descobriu que ela tem o sabor do impossível, do inenarrável.

Haicai bobo ou Estrangeirismo

Ménage à trois

Me
Myself and
I