quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Eu mereço...


O FINO DA BOÇA(LIDADE)
OU
EU SOU O MÁXIMO

Transcrevo na íntegra a matéria que saiu no Estado de S. Paulo do dia 20/02/05 (Caderno 2) porque me sinto incapaz de ser melhor ou pior, dependendo da ótica.

Fal, Jayme, me deu uma vontade doida de fazer adendos a cada resposta idiota (e a algumas perguntas também), mas desisti. Como diz a máxima do tio Sam: time is money.

Pelo método dedutivo: como nunca tenho tempo, será por isso que nunca tenho grana?

Marcelo Mirisola é escritor, autor de Bangalô e O Azul do Filho Morto, publicados pela Editora 34.

Que livro você mais relê?

Os livros que não gosto. Um livro bom é uma noite de amor perfeita com uma mulher que não existe... é como se o dia seguinte pudesse ser ainda melhor. O livro bom não merece ser repetido – eu raramente me atrevo.

E que livro relido ficou melhor?
Descarto essa possibilidade de antemão.

Dê exemplo de um livro bom injustiçado.
Sobretudo os livros de Drieu la Rochelle, qualquer um.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.
Seria o caso de dizer que o “autor” frustrou minhas expectativas. Porque se o livro é ruim, não passo do primeiro parágrafo. Daí eu não corro esse risco.

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Como é que um livro pode ser “bom” ou “surpreendente” se eu não dei nada por ele?

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.
Alguns sufocamentos, e não “cenas”; por exemplo, o narrador de Memórias do Subsolo trombando em seu “perseguidor” à procura de afeto.

Que personagens ganharam vida própria na sua imaginação de leitor.
Não dou muita bola para personagens... nem para minha imaginação.

Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?
Ainda está para ser escrito.

E que livro mais o fez pensar?
Me fez agir, o que é – em determinadas circunstâncias – mais veemente e necessário do que pensar. E isso aconteceu logo depois que li Trópico de Câncer, do Henry Miller. Cometi um crime: matei a Silvia Poppovic, e não me arrependo. Se ela voltar mato outra vez.

Literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga porquê.
Li os livros do Poe e agora Vértigo, do Paulo de Tharso... encontrei buracos nos dois autores. E desisti do “gênero”.


Cite:
Um livro meio chato, mas bom.

Não dou colher de chá para livro “meio chato”.

Um livro que você acha muito bom mas que jamais leu.
O título do livro é Contradição em Si. O autor não existe... poderia ser qualquer livro de Chesterton (com exceção de O homem que foi quinta-feira).

Um livro difícil, mas indispensável.
Duas Damas bem Comportadas, de Jane Bowles.

Um livro que começa muito bem e se perde.
Quando se perdeu, me perdeu.

Um livro pretensioso.
Budapeste, do Chico Buarque: além de pretensioso, chato pra cacete.

Um livro pior do que o filme baseado nele.
Uma cosa não tem absolutamente nada a ver com a outra.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?
Ulisses, de James Joyce... eu suprimiria 551 páginas.

De que livro você mudaria o final? Por quê?
Somente mudaria o final de um livro mediante pagamento e autorização expressa do autor.

Que livros que contrariam suas convicções mas que ainda assim você julga recomendáveis?
Não tenho generosidade para tanto.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.
Sou monoglota, troglodita, heterossexual e a favor da bigamia para a mulher dos outros. Portanto, não tenho nada a reclamar quanto a traduções.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro(s) publicado(s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?
Penso que a literatura brasileira contemporânea é pouco ou quase nada “criticada”, e sim muito “marqueteada”. Há uma diferença brutal entre uma coisa e outra. Meu romance O Azul do Filho Morto é um clássico e foi covardemente negligenciado pela “crítica”, negligenciado pela Fundação Vitae e negligenciado por todos esses prêmios literários furrecas que existem no Brasil. Inclusive e sobretudo negligenciado pelos autores que ganharam essas bolsas no meu lugar. Só existe uma maneira de corrigir tamanha aberração; que os “laureados” devolvam o dinheiro que me pertence.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?
Um clássico, em qualquer tempo? Bem, já tratei disso ao fazer o prefácio de Pornografia Pessoal de um Ilusionista Fracassado, do Nilo Oliveira, e fria outro prefácio para Dos Nervos, do Ricardo Lísias – uma obra-prima. Também não vacilaria em apresentar Certeza do agora, de Juliano Garcia Pessanha, em qualquer tempo e lugar.

Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam o seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?
Outra vez, repito: Ulisses de Joyce, esse não merece meu voto. Um que não é completamente ausente, mas é pouco citado: Extinção, de Thomas Bernhard.


Sobre a crítica:
Que livro festejado pela crítica você detestou?
Budapeste, do Chico “sambinha” Buarque. Não é implicância minha, de jeito nenhum. Basta confrontá-lo com qualquer livro de Dostoievski... e não sobrará nada do sambista.

E que livro demolido por críticos você gostou?
Elio Vitorini, conheci depois de ler uma resenha. Acho que só. Os outros autores descobri na Biblioteca Mário de Andrade. Tem muita gente por aí que nunca entrou numa biblioteca pública e fica reclamando de preço de livro.

Cite um vício literário que você considera abominável.
Um vício literário? Tem um abominável, que é escrever sobre futebol. Borges jamais cogitaria sobre esse tema. Eu mesmo já incorri nesta besteira, embora tenha me saído muitíssimo bem.

Que virtude mais preza na boa literatura?
A boa literatura me ajuda a esquecer que existem outras formas inferiores de manifestações artísticas; incluo aí o cinema, a música, o futebol e o programa do Ratinho.

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