sexta-feira, maio 20, 2005

Angústia

Quem é que vem,
O que é que tem,
depois do fim?

A lâmpada apaga-se,
A música acaba.
O que resta de mim?

Quando o silêncio atordoa
E o sono não chega
Que anjo, qual querubim?

Se tudo termina
com um ponto final,
Por que me sinto assim?
Incompleta, dividida,
Tão chinfrim?

quarta-feira, maio 18, 2005

Sintonia

A., minha querida,

Provavelmente há alguém que assiste ao teu filme enquanto silencias...
Trouxe até você uma boa interlocutora. Creio que estabelecerão um lindo diálogo, porque bem aqui dentro, algo me diz que vocês estão falando a mesma língua.
Beijos,

V.

Extração da Pedra da Loucura

I
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.

II
Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.

III
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva.

IV
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.

V
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.

VI
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.

VII
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.

VIII
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.

IX
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.

X
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.

XI
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.

XII
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme.

XIII
Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.E o que desejava eu?
Desejava um silêncio perfeito.
Por isso falo.

XIV
A noite parece um grito de lobo.

XV
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.

XVI
A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.

XVII
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.

XVIII
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.

XIX
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.

Alejandra Pizarnik

terça-feira, maio 17, 2005

Correspondência

Querida V.,

Escuta-me com atenção. Não a mim, exatamente, mas às vozes vociferantes no meu corpo. Elas são tão ladinas que aprenderam a murmurar, V! Como numa sinfonia de orquestração perfeita: todas falam ao mesmo tempo sem confusão; existe harmonia porque eu consigo diferenciá-las. Sei reconhecê-las.

Meu corpo, essa praça pública, vibra e desfalece de acordo com a entonação do coro.

V., diga-me que não estou enlouquecendo, por favor! Se você estivesse aqui, provavelmente também ouviria.

Já sei o momento em que elas fazem festa; é o mesmo momento em que silencio, em que emudeço para o mundo e suas cores.

Cinema mudo, V., é o que eu tenho sido. Não emito sons, estou monocromática. O único exercício que tenho feito é o de decifrar lábios, imaginar as palavras, investigar sorrisos.

V., será que em algum lugar do mundo alguém silencia enquanto assiste ao meu filme?

terça-feira, maio 10, 2005

O Reencontro

O contato da sua mão na minha indica-me um novo tempo.

Desvencilhei-me de seus dedos por alguns instantes e segui em direção à música. O jazz que saía daquele baixo acústico era-me muito familiar.
Aproximei-me lentamente, sabendo de antemão – não me perguntem como – quem eu encontraria.
Seus olhos – que ora pairavam sobre a platéia, ora se quedavam fechados – foram capturados pela minha presença silenciosa.
Por um segundo, ele perdeu o compasso. Depois sorriu.
Deixei o local da apresentação serena, sem hesitações.

Procurei novamente o calor de sua mão, entrelacei meus dedos nos dele e num afago senti nossas vidas transbordarem.

quarta-feira, maio 04, 2005

Leal e Jayme, pessoas queridas, vou TENTAR responder, porque é tão injusto ter que escolher apenas alguns livros, sempre me dói deixar outros de fora.
Beijo grande.


Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Eu seria o Avalovara, do Osman Lins, escritor pernambucano que fez maravilhas com as palavras e comigo.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por uma personagem de ficção?
Cada vez que leio um livro pelo qual me apaixono, certamente alguma personagem é co-responsável pela paixão.
No livro em que mencionei, existem 3 mulheres/personagens que marcam a trajetória humana e literária do escritor. Amo-as. Todas. São distintas e complementares.

Qual foi o último livro que compraste?
Preciso confessar que adoro sebos. Então os últimos livros que comprei não são novidades, mas livros que sempre me sondaram e eu não tinha tempo de ler.
Bebel que a cidade comeu, do Ignácio de Loyola Brandão e As mil e Uma Noites.

Qual o último livro que leste?
As ondas, Virginia Woolf.

Que livros estás a ler?
Estou sempre relendo coisas que me marcaram.
Terminei de dar um curso de literatura brasileira contemporânea, então reli muitos livros nos últimos 4 meses.
Só para citar: Reflexos do baile, do Antonio Callado e As meninas, da Lygia Fagundes Telles.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Avalovara - Osman Lins;
Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis;
Nunca te vi, sempre te amei - Helen Hanhoff (?);
Cem Anos de Solidão - Garcia Marquez;
Um sopro de vida - Clarice Lispector.

Ainda daria um jeito de colocar um livro de poemas do Carlos Drummond e o Livro do Desassossego, do Pessoa.

A quem vais passar este testemunho (3 pessoas) e porquê?
Para a Fal, porque eu adoro atentar o juízo dela.
Para Hormoniosas. Precisa explicação?
Para o Fernando, com quem andei tecendo teorias para lá de evolucionistas.