Querida V.,
Eu sei que demorei a responder-te, mas não peço desculpas porque a culpa é toda sua. Sim, sua. Foste tão eloqüente na última carta que me senti contagiada pela tua febre hemorrágica. Senti-me indigna de tuas confissões, minha querida, uma vez que estava eu mesma imersa numa grande mornidão.
Foi, então, que permiti que suas palavras entranhassem na corrente sangüínea e resolvi fazer as malas.
Fartei-me de música e bons vinhos. Reatei relações com Rimbaud, Auden, Drummond, Dorothy Parker… antigos amigos que iluminaram noites frias e tardes chuvosas. Quantas vezes a companhia deles salvou-me da solidão!
Estive em tantos lugares. Vi tantos rostos, V! Mas preciso dizer-te que estive novamente em Amboise, querida. Senti uma necessidade, uma urgência em manter contato com o nosso Éden.
Voltei àquele belo jardim. Lembras dele? Frutas silvestres manchavam o chão de um vermelho caudaloso e apesar de singelas, elas me pareciam tão selvagens. Morangos, cerejas, framboesas... selvagens.
O vermelho intenso das frutas chegava a ser ofensivo, ele desafiava a palidez de tantos rostos inexpressivos, parecia gritar para que se rebelassem e também fossem selvagens.
V., depois de muito tempo, eu senti novamente que tocava o barro do qual somos feitos, senti a argila fresca e úmida ali, pronta para ser moldada ao meu bel prazer.
A vida invadiu-me.
Obrigada, V., pelo sopro regenerador.
Amor,
A.
Eu sei que demorei a responder-te, mas não peço desculpas porque a culpa é toda sua. Sim, sua. Foste tão eloqüente na última carta que me senti contagiada pela tua febre hemorrágica. Senti-me indigna de tuas confissões, minha querida, uma vez que estava eu mesma imersa numa grande mornidão.
Foi, então, que permiti que suas palavras entranhassem na corrente sangüínea e resolvi fazer as malas.
Fartei-me de música e bons vinhos. Reatei relações com Rimbaud, Auden, Drummond, Dorothy Parker… antigos amigos que iluminaram noites frias e tardes chuvosas. Quantas vezes a companhia deles salvou-me da solidão!
Estive em tantos lugares. Vi tantos rostos, V! Mas preciso dizer-te que estive novamente em Amboise, querida. Senti uma necessidade, uma urgência em manter contato com o nosso Éden.
Voltei àquele belo jardim. Lembras dele? Frutas silvestres manchavam o chão de um vermelho caudaloso e apesar de singelas, elas me pareciam tão selvagens. Morangos, cerejas, framboesas... selvagens.
O vermelho intenso das frutas chegava a ser ofensivo, ele desafiava a palidez de tantos rostos inexpressivos, parecia gritar para que se rebelassem e também fossem selvagens.
V., depois de muito tempo, eu senti novamente que tocava o barro do qual somos feitos, senti a argila fresca e úmida ali, pronta para ser moldada ao meu bel prazer.
A vida invadiu-me.
Obrigada, V., pelo sopro regenerador.
Amor,
A.