terça-feira, outubro 19, 2010

Clarice, minha maga, era desse inesperado bom que você falava?

O meu desencanto com Marina é inversamente proporcional à esperança que eu tinha de reencontrar no Pedro Bial o jornalista e ótimo correspondente internacional de outrora.
Milagres acontecem.

O Hino Nacional diz em alto e bom tom (ou som, como preferir) que “um filho seu não foge à luta”.
Tanto Serra como Dilma eram militantes estudantis, em 1964, quando os militares, teimosos e arrogantes, resolveram dar o mais besta dos golpes militares da desgraçada história brasileira. Com alguns tanques nas ruas, muitas lideranças, covardes, medrosas e incapazes de compreender o momento histórico brasileiro, “colocaram o rabinho entre as pernas” e foram para o Chile, França, Canadá, Holanda. Viveram o status de exilado político durante longos 16 anos, em plena mordomia, inclusive com polpudos salários. Foi nas belas praias do Chile, que José Serra conheceu a sua esposa, Mônica Allende Serra, chilena.

Outras lideranças não fugiram da luta e obedeceram ao que está escrito em nosso Hino Nacional. Verdadeiros heróis, que pagaram com suas próprias vidas, sofreram prisões e torturas infindáveis, realizaram lutas corajosas para que, hoje, possamos viver em democracia plena, votar livremente, ter liberdade de imprensa.

Nesse grupo está Dilma Rousseff. Uma lutadora, fiel guerreira da solidariedade e da democracia. Foi presa e torturada. Não matou ninguém, ao contrário do que informa vários e-mails clandestinos que circulam Brasil afora. Não sou partidário nem filiado a partido político. Mas sou eleitor. Somente por estes fatos, José Serra fujão, e Dilma Rousseff guerreira, já me bastam para definir o voto na eleição presidencial de 2010. Detesto fujões, detesto covardes!


Pedro Bial, jornalista.

Ignorance is a bliss. Será mesmo?



Vou editar uma piadinha infame que recebi no meu e-mail e que tem a audácia de afirmar: “essa corrente não pode ser quebrada”.

No dia 02 de janeiro de 2011, um senhor idoso se aproxima do Palácio da Alvorada e, depois de atravessar a Praça dos Três Poderes, fala com o "Dragão da Independência" que monta guarda:
- Por favor, eu gostaria de entrar e me entrevistar com o Presidente Lula.
O soldado olha para o homem e diz:
- Senhor, o Sr. Lula não é mais presidente e não mora mais aqui desde ontem".
O homem diz:
- Está bem", e se vai.
No dia seguinte, o mesmo homem idoso se aproxima do Palácio da Alvorada e fala com o mesmo "Dragão":
- Por favor, eu gostaria de entrar e me entrevistar com o Presidente Lula”.
O soldado novamente diz:
- Senhor, como lhe falei ontem, o Sr. Lula não é mais presidente nem mora aqui desde anteontem. O senhor não entendeu?”
O homem olha para o soldado e diz:
- Sim, eu compreendi perfeitamente, mas eu ADORO ouvir isso!"

E eu lembro da música do Zé Ramalho: “Vocês que fazem parte dessa massa (...) Ê oô, vida de gado”...
Não tem nada que irrite mais do que comportamento de gado.
Claro que os incômodos são muitos. Primeiro é que eu não me sinto no direito de mandar e-mail de cunho político pra ninguém. Por que, então, meu Deus, eu recebo toda “essa droga que já vem malhada antes de eu nascer”? Quando muito compartilho artigos que julgo inteligentes e interessantes com pessoas que, sei, lerão tudo com olhos críticos. Não tenho intenção de doutrinar ninguém. Segundo, é que a piada diverge das minhas orientações políticas. Terceiro, e o que realmente me faz subir nas tamancas, é ver gente reproduzindo informação errada sem pensar. Suas orientações intelectuais são tão atiçadas pelo teor da piada que já não conseguem fazer a reflexão de que estão perpetuando preconceitos e reproduzindo construções míticas irreais.
Cansa-me ad nauseum constatar como é difundida uma idéia completamente deturpada de Brasília. A deturpação é tanta que fica evidente no desconhecimento da geografia da cidade, minha cidade. O Palácio da Alvorada fica lejos, mas muito distante mesmo, da Praça dos Três Poderes.
O que fica localizado à Praça é o Palácio do Planalto, sede da burocracia política do Executivo brasileiro. Ou seja, não se trata da residência oficial do Presidente da República, logo, faz todo sentido que ele não more lá.
Não bastasse a mídia escrachar Brasília com as piadinhas mais imbecis e reacionárias, do tipo: "os ladrões estão todos em Brasília, no Congresso Nacional", ainda sou obrigada a ver tamanho desconhecimento.
Aos críticos destrutivos que adoram uma simplificação, vou desenhar pra vocês: Brasília apenas recebe os ladrões que são eleitos nos 26 estados e num Distrito Federal, logo, proporcionalmente, os corruptos do DF estão em número inferior àqueles que vem ocupar temporariamente a sede do Poder Político. Eles ESTÃO aqui, mas não SÃO daqui e nem FORAM ELEITOS pela população do DF.
Hello! Deu pra entender? São vocês que despacham esses merdas pra cá. E viva as correntes migratórias da corrupção!
E pra falar a verdade, tem dia que dá vontade de me exilar, porque esse país parece história de ficção, folhetim de quinta. Um momento eleitoral tão importante para as pessoas discutirem projetos, planos de governo e vem a mídia irresponsável transformar tudo em circo, em guerra santa e fundamentalismo.
E os arrogantes ainda bradam, batendo no peito: isto é liberdade de imprensa.
É bem típico de um país que pensa que vive numa Democracia, mas que se deixa levar pelo primeiro rebuliço forjado para mudar o foco do debate.
Dilma ou Serra? Serra ou Dilma? O voto tem que ir para um e para outro baseado em programas e história político-partidária.
A gente já se ferrou votando num Salvador da Pátria – criado com a ajuda da Rede Globo – que não tinha nada a oferecer além da bandeira quimérica chamada "caça aos marajás".
É isso o que acontece quando esquecemos de fazer análise política e embarcarmos em construções míticas do herói solitário: elegemos dúzias de “Sebastiões” Collor de Mello.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Sala de Leitura (12)

Violência e banalidade do mal

Em Arendt, o problema do mal é abordado por uma perspectiva política e não moral ou religiosa

Odílio Alves Aguiar

Jerome Kohn, assistente de ensino e intérprete de Hannah Arendt, escreveu que o problema do mal é o principal eixo argumentativo a atravessar toda a reflexão político-filosófica arendtiana. A base da reflexão da pensadora é a experiência totalitária. Ao ligar essa experiência ao mal, Hannah Arendt apontou o paroxismo da violência perpetrada pelos governos totalitários e mostrou a insuficiência das teorias e categorias científicas, econômicas e políticas tradicionais para captar e explicar a novidade do que estava acontecendo. O domínio total é mais opressor que a escravidão e a tirania, é mais destruidor que a miséria econômica e o expansionismo territorial. O controle total pretende atingir e capturar os humanos; adota, como critério de legitimidade governamental, a redução dos homens a seres naturais. O recurso à categoria do mal é uma forma de tentar compreender o inexplicável e visa aproximar-se reflexivamente da primeira tentativa de constituição de uma forma de governo, no Ocidente, baseada na purificação e no extermínio dos seres humanos. Trata-se, assim, de pensar o mal nas sociedades secularizadas sem apelar ao teor teológico-religioso.

O tema do mal, em Arendt, não tem como pano de fundo a malignidade, a perversão ou o pecado humano. A novidade da sua reflexão reside justamente em evidenciar que os seres humanos podem realizar ações inimagináveis, do ponto de vista da destruição e da morte, sem qualquer motivação maligna. O pano de fundo do exame da questão, em Arendt, é o processo de naturalização da sociedade e de artificialização da natureza ocorrido com a massificação, a industrialização e a tecnificação das decisões e das organizações humanas na contemporaneidade. O mal é abordado, desse modo, na perspectiva ético-política e não na visão moral ou religiosa.

Faz-se necessário esclarecer, antes de avançarmos, que Hannah Arendt nunca sistematizou suas reflexões sobre o assunto. Colhemos os elementos do seu ponto de vista nas seguintes obras: Origens do totalitarismo (1951), Eichmann em Jerusalém (1963), A vida do espírito (1971) e em outros textos publicados postumamente. Essa bibliografia está muito bem articulada no livro de Nádia Souki intitulado Hannah Arendt e a banalidade do mal (Ed. UFMG).

Contingência do mal

Em Origens, o tema aparece no cotejamento e prolongamento da reflexão kantiana sobre o mal radical. Kant percebeu que o mal pode ter origem não nos instintos ou na natureza pecaminosa do homem e, sim, nas faculdades racionais que o fazem livre. Dessa forma, o mal não possui dimensão ontológica, mas contingencial. Ele acontece a partir da interação e da reação das faculdades espirituais humanas às suas circunstâncias. O mal radical, em Kant, é uma espécie de rejeição consciente ao bem e está atrelado, ainda, ao uso dos homens como meios, instrumentos, e não fim em si mesmo. Arendt retém esse aspecto da reflexão kantiana, acrescentando-lhe a dimensão histórico-política do seu próprio tempo. Nela, o radicalismo vai relacionar-se à novidade e ao assombro diante das informações chegadas às suas mãos nos Estados Unidos, em 1943, sobre Auschwitz. Ela associou o mal radical aos campos de concentração, base de sustentação da nova forma de governo em gestação. Isso faz o assunto ultrapassar a questão judaica, embora seja incompreensível sem ela. Holocausto é pouco para captar o que surgiu, pois não se trata apenas da execução de judeus. Esse algo a mais faz sua obra dizer coisas relevantes para todos nós. O mal radical está associado ao totalitarismo, organização governamental e sistemática da vida dos homens prescindindo do discurso e da ação, considerando-os meros animais, controláveis e descartáveis. É uma forma de governar sustentada, explicitamente, no pressuposto do extermínio de setores da população e não apenas na sua opressão ou instrumentalização. Isso não diz respeito apenas à exclusão sócio-política do criminoso, nem à eliminação do opositor ou inimigo, mas a atualização da lógica da descartabilidade humana inerente àquelas formas de governo.

Ao considerar a população apenas do ponto de vista biológico, laborante, o governo total tratou de eliminar qualquer instituição ou vínculo humano que pudesse dar abrigo à solidariedade, à ação e à diferenciação entre os indivíduos. Destruindo o mundo comum (partidos, família, arte, religiões, sindicatos, justiça e outras formas de organização), no qual as pessoas poderiam ser amparadas e respeitadas, os governos totalitários constituíram-se baseados na propaganda, na espetacularização, na atomização, na solidão, na padronização, na coletivização das massas e na redução do homem a animal, ocupado exclusivamente com a sua reprodução biológica. Os regimes totais conceberam os homens apenas como seres vivos e prolongaram esse critério na escolha dos merecedores da vida. O grande temor, presente nos textos da pensadora, é que o extermínio, a nova terapia contra os humanos considerados impuros e indignos, inerente aos governos totalitários, viesse a constituir-se em elemento imanente aos governos e sociedades contemporâneas. Isso levou Arendt a afirmar: “talvez os verdadeiros transes do nosso tempo somente venham a assumir a sua forma autêntica – embora não necessariamente a mais cruel – quando o totalitarismo pertencer ao passado”.

Cumprir o seu dever

A questão do mal retorna, em Arendt, quando ela aceita o convite de uma revista americana para fazer a cobertura do julgamento de Eichmann ocorrido em Jerusalém, em 1962. As questões jurídicas e filosóficas envolvidas nesse caso foram muito bem debatidas no livro Justiça em tempos sombrios de Christina Ribas (Ed. UEPG). Se, ao mal radical, Arendt associa o surgimento e a prática da violência extremada e sistemática contra setores da população por parte de uma nova forma de governo, ao mal banal, ela vai relacionar a prática dos agentes encarregados de executar as ordens governamentais. Quem foi Eichmann? Trata-se do principal responsável pelo envio dos judeus aos campos de concentração. Em todos os relatos de Arendt, verificamos uma profunda perplexidade com a forma de Eichmann falar das suas atividades como carrasco nazista. Ele usava clichês, palavras de ordens e a moral da obrigação do bom funcionário para justificar o seu comportamento. Para ele, em nenhum momento, podia ser enquadrado como criminoso, pois apenas cumpria a sua obrigação, o seu dever. Eichmann era um ser humano normal, bom pai de família, não possuía nenhum ódio ao povo judeu e não era motivado por uma vontade de transgredir ou por qualquer outro tipo de maldade. No entanto, viabilizou o assassinato de milhões de pessoas. Foi justamente isso que levou Arendt a usar o termo banalidade do mal. Estamos diante de um tipo de mal sem relação com a maldade, uma patologia ou uma convicção ideológica. Trata-se do mal como causa do mal, pois não tem outro fundamento. O praticante do mal banal não conhece a culpa. Ele age semelhante a uma engrenagem maquínica do mal. O mal banal parece ser um fungo, cresce e se espalha como causa de si mesmo, sem raiz alguma e atinge contingentes enormes das populações humanas em diversos lugares da terra.

A pergunta de Arendt, ao se deparar com os depoimentos de Eichmann, foi: “o que faz um ser humano normal realizar os crimes mais atrozes como se não estivesse fazendo nada demais?” A resposta está no mal banal. Trata-se de uma prática do mal promissora nas sociedades massificadas, possuidoras de organizações econômicas, políticas e sociais potentes, nas quais os seres humanos tendem a se sentir sem poder, solitários, submissos e quase condicionados. Vivendo apenas como animal laborante, os homens tecnificam e burocratizam as suas obrigações e se tornam, desse modo, incapazes de pensar as conseqüências das ordens dadas pelos seus superiores ou grupos. Eichmann, segundo Arendt, agiu igual ao cão de Pavlov, que foi condicionado a salivar mesmo sem ter fome. Ele não praticou o mal motivado pela ambição, ódio ou doença psíquica. Nada disso foi encontrado em Eichmann. A única coisa que chamou atenção de Arendt foi a sua incapacidade de pensar. Ao renunciar ao pensamento, Eichmann destituiu-se da condição de ser dotado de espírito que lhe possibilitaria o descondicionamento e, assim, dizer: não, isso eu não posso.

O mal como renúncia à capacidade de julgar

O mal banal caracteriza-se pela ausência do pensamento. Essa ausência provoca a privação de responsabilidade. O praticante do mal banal submete-se de tal forma a uma lógica externa que não enxerga a sua responsabilidade nos atos que pratica. Age como mera engrenagem. Não se interroga sobre o sentido da sua ação ou dos acontecimentos ao seu redor. Buscar o sentido não é apenas se informar, não é algo da ordem do conhecimento nem da aferição da eficácia. Trata-se de medir e buscar a estatura do que está acontecendo a partir do crivo da dignificação dos envolvidos. Quem pensa resiste à pratica do mal. A busca da significação encontra muita dificuldade quando a pressa, os mecanismos e procedimentos técnicos, burocráticos e os processos econômicos auto-propelidos engolfam tudo. O praticante do mal banal renuncia à capacidade pertencente aos humanos de mudar o curso das ações rotineiras através do exercício da vontade própria. Repete heteronomamente o seu comportamento. Não se reconhece dotado de vontade, capaz de iniciar, fundar e começar. Ele também não exercita a habilidade, peculiar aos homens, de falar e comunicar o que está vendo e sentindo. Vive sem compartilhar o mundo com os outros. Renuncia, desse modo, à faculdade do julgamento. Em suma, recusa-se a viver com os dons provenientes das suas faculdades espirituais: pensar, querer e julgar.

Ao relacionar o mal ao vazio reflexivo, Arendt aponta para uma possível compreensão da violência nas sociedades contemporâneas. Nessas sociedades, o mal realiza-se na banalidade, na injustiça e nas radicais práticas de violência contra apátridas, imigrantes, mulheres, desempregados, índios, negros, crianças, idosos e a natureza.

A partir dessas teses, vemos emergir, na autora, formas de contraposição ao mal radical e ao mal banal. Na primeira, a autora propõe a recuperação da política, do mundo comum, principalmente, em A condição humana (1958); na segunda, aponta a retomada da dimensão ética em A vida do espírito (1971). Pensar, julgar e querer desembocam no cuidado com o mundo comum, no amor mundi, para usar a terminologia de Arendt, no respeito aos espaços onde os homens podem circular e se sentirem amparados pela presença dos iguais e dos diferentes. Nesse mundo comum os homens mostram que nasceram para começar e não para morrer.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Das controvérsias

Eu assisti a um vídeo (Sempre um Papo) do João Moreira Salles explicando o motivo de a revista se chamar Piauí... reproduzo aqui a fala dele, que achei por si só muito bonita e poética, até porque quem me conhece sabe que sou apaixonada pelas palavras, sua etimologia, a metalinguagem, sua origem criativa, as construções possíveis de seus significados, sua vida secreta.

Por outro lado, é no mínimo curioso referenciar o Gilberto Freyre, o criador do controverso conceito da “democracia racial”, para a explicação plástica de palavras em que as vogais abundam.

Eu me delicio com esse caos palavroso e o quanto de ideologia ainda se embute nos conceitos e referências que buscamos e usamos.

Não vai aqui nenhuma crítica ou reprovação. Apenas uma constatação de que a palavra expressa mais do que significados semânticos; a palavra expressa uma postura de vida. A palavra nos revela.


A revista se chama Piauí por uma razão que pode parecer trivial e banal, mas pra mim é a que acabou prevalecendo. É uma palavra cheia de vogal e eu gosto das palavras que têm vogais.

Eu li há algum tempo no Gilberto Freire uma coisa que ele dizia a respeito das línguas com vogais. Ele dizia que os países ensolarados, os países quentes, os países tropicais geralmente têm idiomas onde prevalecem as vogais. E que os países frios, os países nórdicos falam com muita consoante.

A vogal é macia, é doce e a consoante é aguda, ela fere. Consoante é bom pra dar ordem e vogal, de certa maneira, é bom pra descansar. E é mais simpática uma palavra solar, digamos assim, do que uma palavra gelada. E Piauí tem essa característica de ser uma palavra cheia de vogal.


* Etimologicamente, Piauí é uma palavra de origem tupi-guarani, onde o "í" significa rio e "piau" é uma espécie de peixe.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Passos pequenos, mas constantes


Novo amanhecer, Ricardo Furtado.

Ontem o povo brasileiro finalmente deu mostras de que caminha por estrada sinuosa, mas que está receptível às mudanças estruturais referentes às sociedades democráticas.

Não tenho partido, mas sempre fui uma pessoa de esquerda, mesmo quando eu não sabia que existia um conceito de esquerda.
Até o uso desse linguajar diz algo sobre mim... não me furto ao riso ao relembrar do saudoso Bobbio, que já no seu Destra e Sinistra: Ragioni e significati di una distinzione politica discorria sobre a atualidade desses conceitos. Ele começa o livro perguntando: "direita e esquerda ainda existem? E, se existem ainda, como se pode dizer que perderam completamente o significado?".
Como Bobbio, eu acredito que os conceitos de Direita e Esquerda, surgidos durante a Revolução Francesa, ainda são muito significativos, principalmente se analisados à luz da questão da liberdade e igualdade entre os homens.
Desde a morte de ACM, observa-se mudanças sutis no comportamento político dos cidadãos brasileitos e nesta última eleição ficou claro para mim que a fome por mudanças está latente em nossa sociedade.
Quem ousaria pensar num cenário político sem Marco Maciel, Tasso Jereissati, Arthur Virgílio, Geddel Viana?
E os joguinhos insanos e megalomaníacos de Roriz, que todo dia forja uma maneira de ludibriar a lei? Mas nesse sentido, "tudo bem", a lei abre milhares de precedentes para que o fim seja prolongado tal qual aquelas telenovelas que ja perderam o sentido, mas para manter o ibope, vão destruindo as personagens até que não sobre nada.
Quando, contudo, a Ética e a Moral são atacadas cotidianamente com subterfúgios e estratagemas nefastos, quando tripudiam na cara de uma Suprema Corte negligente e conivente, subjugando a capacidade de pensar da sociedade civil... as respostas surgem.
Há um bom tempo que não tenho ilusões no que se refere a siglas e partidos. O jogo político é muito mais difícil de entender quando ele sai das páginas dos livros e ganha o terreno da disputa. As pessoas são corruptíveis independentemente de partidos. As banderias da paz e da democracia já serviram tanto a algozes quanto a regimes totalitários.
Mas o que mais me impressiona mesmo é ver o peso que uma ideia traz consigo. O PT evoca um conceito falacioso, ignorante e totalmente fundamentalista do que é esquerda, do que é comunismo, socialismo ou qualquer palavra que se encaixe nesse jogo semântico.
Eu fico aterrorizada de ver os jovens repetindo o mantra: eu voto em qualquer um, menos no PT.
E isso inunda os discuros de uma fé cega, o tipo de obscurantismo pelo qual eu sempre lutei contra... Sexta-feira passada, antes das eleições, eu li uma matéria no Yahoo sobre o pleito de domingo e logo abaixo fui ver os comentários e tinha um que dizia assim: "esses petistas burros, pobres e nordestinos"... Nunca vi tanto preconceitos e desinformação reunidos numa simples frase (só faltou o "preto")... eu custo a acreditar que estou no século XXI, que existe robótica, engenharia genética, informações jorrando de infinitas mídias.
Ontem, antes de dormir, vi no noticiário que os eleitores de São Paulo, se tivessem a opção de votar no Maluf nestas eleições, fariam dele o segundo candidato mais votado. Maluf ganhando de Gabriel Chalita, isso, sim, é que deveria causar estranhamento, mas parece que fui eu quem ficou anacrônica...
Não estou fazendo apologia a um partido ou a um candidato. Vote no candidato que quiser, inclusive nos Enéias e Tiriricas, mas que o voto tenha bases razoáveis e nao em assombrações que nem exorcismos conseguem curar.