quarta-feira, março 30, 2005


Partidas. Partições. Estilhaços. Fragmentos. Versões.

Palavras que me resumem mas não dão a medida de quem sou, fui, serei e das muitas outras que habitam em mim.

É tanto braço, perna, olhos, bocas. Tantos corpos no meu. Quem sou eu? Eu sou?

Se uma parte serena, outra vocifera, outra dança, outra ainda observa, somente.

Conscientes desses deformações, seguimos resilientes, devolvendo ao mundo socos, pontapés, risadas, músicas e uma boa dose de inquietude.
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quarta-feira, março 23, 2005

Cenas Urbanas

Sentado no parapeito da janela, ele contempla o mundo minúsculo lá embaixo.

Do décimo quarto andar, tudo fica tão menor, tão mais passível de solução e também tão distante.

A cidade fica intocável. As miniaturas humanas, vistas das alturas, parecem frágeis, bem mais frágeis do que o normal.

Uma mão desavisada, um passo em falso e tudo acaba-se.

“Como formigas, a multidão caminha em muitas direções, em filas indianas.
Segue o quê? A quem? Aonde vai com tamanha pressa? Por que não experimenta voar?”

Lá debaixo, daquele mundo que outrora fora pequeno, vê-se uma capa vermelha ondulando na janela.

quinta-feira, março 17, 2005

A., minha A.,

As escolhas são necessárias, sim, mas algumas vezes não escolher também é uma decisão, querida.

Não, isso não significa uma atitude passiva diante da vida, significa sim se permitir observar de fora, se retirar da cena por alguns instantes.

Você me fala em luz numa hora de blackout. Hora em que apaguei todas as luzes e mergulhei nas sombras, em busca de começos, da minha gênese. Engraçado, não? O jogo cênico entre luz e sombras não precisa ser antagônico e nesse meu percurso tento fazê-los parceiros.

Obrigada por ser farol em noite escura de tormenta. Imagine um barco sem ponto de referência!!?? Nau à deriva.

Hoje eu consigo estar serena, consigo ser espectadora da minha própria ficção e isso A., me dá uma sensação de liberdade e compreensão que jamais experimentei. Sou eu vivendo os meus minutos e, ao mesmo tempo, contemplando o enredo que traço.

Já parou para pensar que o enredo da nossa vida depende de nossa habilidade (ou inabilidade) de bordar, tramar os fios e arrematar os pontos?

Não ria, A., mas entrei num curso de bordado & tricot e passei a entender com mais clareza os meus fragmentos, rabiscos, inclusive essa nossa correspondência, ao ponto de acreditar mais nos arabescos do que no divã.

A., doce A., essa minha aspereza e dramaticidade diante do mundo é suavizada por sua ponderação. Não sei se alcançarei sua margem, afinal ela é sua, contudo, deve haver alguma margem que abrigue as inquietações dos meus rios.

Beijos,

V.

terça-feira, março 15, 2005

Palavra viva: Hilda Hilst

Se puderem, deleitem-se ;)

O SESC PINHEIROS promove leituras dramáticas, palestras e depoimentos em memória do primeiro ano de morte da escritora e poetisa Hilda Hilst.

Hoje, 15/03, 20h
Literatura de Transgressão
Depoimentos de Carlos Vogt e Cláudio Willer. Prosa "Kadosh", com Sérgio Mamberti.

Dia 18/03, 20h
Erostismo, Humor e Crítica
Palestra com Cristiane Grando e Eliane Robert de Moraes. Prosa-teatro "O Caderno Rosa de Lori Lamby", com Iara Jamra.

Dia 22/03, 20h
O Sagrado e o Profano, Hilda e o Divino
Palestra: Noelly Novaes Coelho. Prosa Poética "Matamoros", com Beatriz Azevedo, Maria Alice Vergueiro e Sabrina Greve.
Não fui capaz de escrever um único verso, hoje.

Nem mesmo as palavras mais rudes quiseram minha companhia – hibernaram em suas cavernas semânticas e guardaram para si toda sua significação.

Vontade louca de me comunicar, dizer algo, gritar ao mundo a respeito de minha existência, mas elas – as palavras – emudeceram. Talvez, quem sabe, elas também não tenham necessidade de silêncio e quietude?

Em solidariedade a elas e as muitas vezes em que prefiro o escuro e a ausência de sons para me confirmar pessoa, guardei lápis, papéis e bati em retirada.
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Pela estrada fora, Erik Reis

terça-feira, março 08, 2005

Querida V.,

Desculpe a demora em respondê-la. Acho que somente hoje consegui sorver a última letra do seu discurso. Não houve um só dia que ele não me assaltasse, crispando minhas mãos até ficarem pálidas.

Devemos ser bastante cautelosos com esta senhora chamada Dor porque ela entranha, querida. Tal qual poeira. Ela procura pelos cantinhos mais difíceis e se instala, amarelando nossos sonhos, ressecando nossos olhos, engessando comportamentos.

Algumas vezes torna-se tão íntima que passamos a sofrer mais quando ela se ausenta de nossas vidas do que quando nos habita.

V., minha querida, nós também nos acostumamos à dor e, pior, tomamos gosto por ela. Passamos a fazer sua cama, colocar a mesa e dormir abraçados a ela.

Não esqueça de abrir janelas e cortinas, querida. Os cantinhos precisam ser arejados, senão a gente fica pairando em sombras.

Não sei como, mas é preciso encontrar motivos para despertar a cada manhã, se apegar nas pequenas alegrias. A dor, bem como a sufocação advinda dela é inevitável, V., mas fazê-la nossa companheira é uma escolha.

Espero que você escolha se despedaçar em luz porque daqui onde me encontro, eu vejo a luminosa incidência de raios.

Amor,
A.

sexta-feira, março 04, 2005

Para um desejo que sempre se renova

Árias pequenas.
Para bandolim

Hilda Hilst

Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores.

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.