domingo, fevereiro 20, 2005

Teatro

PURGATÓRIO


Entreolharam-se furtivamente. Cabeças baixas, olhar de soslaio.
Fedra tinha o braço na tipóia e Medéia usava um lindo colar de gesso. E pensar que tudo isso tinha um só nome: ciúme.

1º ATO – PARAÍSO


Era uma noite muito especial. Noite do baile de formatura de Medéia.
As irmãs chegaram cedo no salão de beleza: fizeram depilação, cortaram cabelo, pintaram as unhas e fizeram maquiagem digna de estrela de cinema. Saíram de lá radiantes.
Chegando em casa deram início ao ritual: pernas, meias finas, sapatos altíssimos, jóias, perfumes e decotes.
Fedra comprara vestidos deslumbrantes para a ocasião. Mandara fazer modelos exclusivos e presenteara a irmã com um deles.
Animadíssimas com o resultado da produção, partiram ao encontro do grande momento.

2º ATO – A MAÇÃ

Entraram no salão provocando comentários gerais.
Medéia apresentou a Fedra aos amigos e notou, de cara, o interesse de Tartufo pela irmã. Entortou o nariz e metralhou-o com os olhos. Ele, todo indiferente às ameaças, sentou-se ao lado de Fedra, atiçando a ira de Medéia.
Cutucou a irmã e pediu, entre dentes, que ela a acompanhasse até o banheiro.
Alertou a irmã sobre o caráter de Tartufo, acionando automaticamente nela o desejo de “pagar para ver”.

3º ATO – BARRAQUINHO BÁSICO


Claro estava que misturar as gregas trágicas com o cômico francês ia resultar em ópera bufa.
Dança aqui, drinques coloridos ali, “segredos de liquidificador” e o barraco estava armado.
Pasmem! Medéia foi com tudo pra cima de Fedra. Puxou-a pelo vestido com tanta força que a alça de miçangas partiu-se, desnudando o colo da coitada. Não conformada, agarrou seu lindo coque banana, despenteando-a. O choro e a gritaria superaram o som do DJ, a maquiagem belle de jour cedeu lugar à mamãezinha querida. Fiasco total.
Tartufo vendo cena tão deprimente, não teve dúvidas, saiu sorrateiramente, mas antes pegou Mary Poppins pela mão e sumiu salão adentro.

4º ATO – O INFERNO EXISTE


Vinte e quatro horas numa enfermaria, uma diante da outra, olho roxo, hematomas nas pernas, braço quebrado e um baita torcicolo. Esse foi o prêmio por passar quatro anos cursando a faculdade de psicologia.
A gente nota logo que o aprendizado foi alcançado com excelência.
Depois de passar o sábado descansando no pronto-socorro, voltaram para casa. Dentro do carro, mal se olhavam. Fariam o percurso mudas, não fosse a visão da figura de Tartufo atravessando a rua deserta, diante do semáforo fechado.
Nessa hora, a comunicação mental funcionou. Desceram do carro e agarraram Tartufo. Deram vazão às pulsões freudianas.
Ofélia finalmente entendeu a aplicabilidade prática dos fundamentos psicológicos. E Fedra filosofou de si para si: vingança e prato frio eram o cacete.

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