terça-feira, agosto 24, 2004

Garrafas ao mar - I

Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha.
Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer.
As palavras já ditas me amordaçaram a boca.
Clarice Lispector

Urge que eu vomite as espadas verbais que tanto ferem minhas entranhas e dissipam meu amor.
Escrevo, então, palavras ácidas como quem atira pedras em cristal, como quem precisa recuperar a lucidez adormecida.
Os estilhaços voam. Ao tocar o chão, eles já são diamantes que ecoam a música da minha loucura e produzem ferimentos rutilantes. Reluzem, mas não há qualquer vestígio de beleza.
Os cortes apenas testemunham o retinir do aço desembainhado. Fizemos um pacto solidário de silêncio e contemplação.
A intolerância que por vezes sinto é explicada pela sufocação de uma garganta estreita que deseja ser fosso, mas que encontra-se amordaçada pelo vazio opaco e denso.
Não tenho culpa se não sou entendida. Falar é a minha salvação.
Falo para salvar a mim mesma da inércia do mundo, do isolamento, da solidão asséptica que faxina os gestos impessoais dos que estão ao meu redor.
Tanta polidez, tanto lustro causa-me náuseas.
Quero poder falar da exuberância do caos.

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