quarta-feira, setembro 08, 2004

Presente

Agradeço ao amigo de terras portuguesas que me enviou esse poema lindo e que tem total identificação com esse blog.
Obrigada, Barba!
Beijos.

ELSINORE
(Mário Cesariny)

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos conosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ai, Lu
Entre nós e as palavras há esta enormidade de passos já dados e outros tantos vãos a completar. Há esta angústia pelo não-dito, pela desdita da palavra a apossar-se - caprichosa - da nossa vontade maior de não falar. Beijo na alma linda. Saudade, Lia.
www.weblogger.margaridas.terra.com.br

Lu disse...

Você disse tudo, minha Lia. Saudades imensas também. Beijão.