terça-feira, março 06, 2007

As matriarcas (6)

Sobre a porta da loja lia-se a placa talhada na madeira: Oficina do Gegê. Como a porta estava aberta, fui entrando. Era um galpão de aproximadamente uns vinte metros quadrados sem qualquer organização. Havia pneus, câmaras de ar, remendos por toda a loja; pedaços de bicicleta – raios, pedais, selim, guidão – espalhados no chão. Era difícil caminhar por ali.

Já que não havia ninguém para atender, resolvi bater palmas – um velho hábito do interior – para pedir ajuda.

- Ô de casa!Nenhuma resposta.

- Ô de casa. Tentei novamente, mais forte dessa vez.

Lá do fundo da loja alguém respondeu:

- É já.

Em alguns segundos, surge uma figura simpática e bonachona. Entrou sorrindo largo, dentes branquíssimos, cara redonda. Não me restaram dúvidas. Só podia ser o pai de Tiziu, afinal, eram os mesmos olhos brilhantes.

- Bom dia, moça.

- Bom dia, Sr. Geraldo. Eu sou Olívia e...

- Ah! O Tiziu me falou da senhora. A professora lá da capital.

Segurei firme o riso. Fiquei imaginando como teria sido o relato daquele moleque. Ele viu os livros que trouxe e deduziu que sou professora. O que não deve ter sido muito animador, uma vez que a escola não é assunto que lhe pareça agradável.

- Isso mesmo. Ele disse-me que o senhor poderia conseguir uma boa bicicleta pra mim.

- Eu posso, mas é de segunda mão. Não se importa?

- De forma alguma. Como não vou ficar muito tempo, talvez um mês ou dois, pensei em alugar uma.

- Alugar? Nunca fiz isso, não senhora. Eu conserto, pinto, monto, desmonto, mas alugar... é novidade. Eu posso emprestar.

- Não, Sr. Geraldo. Veja aí uma bicicleta e diga o preço. Eu compro. Quando eu for embora, deixo para o senhor arrumar uma venda, um bom negócio.

Saí de lá montada numa bicicleta vermelha, com raios brilhantes, retrovisor e uma buzina de som extravagante.

É. Bicicleta é um meio de transporte sério em São Pedro das Missões.

6 comentários:

Sandman of the Endless disse...

Ah, Lu! Saudades do tempo que eu era moleque e, incansável, corria alegre o meu mundo montado numa bicicleta... Bons tempos aqueles! Beijos, garota ;)

Luciana Melo disse...

Ed, a infância tem sabor de vento na cara, não tem? Eu também adorava passear de bicicleta, fugir despercebidamente dos olhos atentos da minha mãe (tadinha!).
Beijão.

Anônimo disse...

São as diferentes formas de cair da bicicleta, de ralar o joelho, o 1° beijo, o 1° amor (desilusão)... que transforma o menino em poeta fingidor...

Abrçss

Lu disse...

Jefferson, seu comentário lembrou-me de uma personagem do Autran Dourado. Lembranças das boas! ;o)
Essa narradora-personagem pretende cumprir esse trajeto: das memórias ou relato memoralista.
Abraços.

dade amorim disse...

Tempo bom de poder sair por aí sem medo e voltar são e salvo... Beijo grande.

Edilson Pantoja disse...

Os retrovisores e a buzina me levaram longe... Abraço, querida!