segunda-feira, abril 18, 2005

Minha querida A.,

Faz um frio terrível por aqui. Uso meias de lã que não aquecem os pés, estou metida embaixo de muitas cobertas e tomo chá quente enquanto leio um bom livro. Tudo isso tem a intenção clara de manter, ao menos, minha alma livre do gelo.

Estou relendo sua carta pela quarta vez, A. Escavo os espaços em busca de palavras suaves para lhe dar algum conforto, em resposta. E é muito difícil, A., difícil porque não quero ser uma interlocutora leviana e boba, muito menos uma amiga omissa, respondendo coisas do tipo “vai passar”, como se num passe de mágica ou num truque de prestidigitador, os problemas evaporassem ou fossem sugados por um enorme buraco negro.

Não quero também ser patética, muito embora a vida não tenha a menor parcimônia em sê-la.

Não posso quebrar as leis da física, A., muito menos alterar a geografia que nos separa, retirando-nos a possibilidade do afago, mas posso e vou te dizer algo que aprendi com a minha experiência de conviver nesse vale depressivo que hoje você se encontra.

Escuta, A.! Tudo pode ruir, a única coisa que precisa prevalecer é o contato de você consigo mesma. Lute para não edificar paredes altas e fortes dentro de você mesma. Haja o que houver, não perca o contato com você! Descubra algo que estabeleça e mantenha esse vínculo.

No meu caso, eu busquei a luz, A., porque dentro de mim todos os cômodos eram escuros e isso era muito reconfortante.

Lembro da dor lancinante que sentia quando alguém invadia meu quarto e acendia a luz ou abria as cortinas. Eu berrava feito uma louca, A.

Primeiro, eu não podia enxergar, mas não tardou chegar a hora em que eu já não queria ver. O sono e a escuridão me davam tudo que eu precisava: solidão, distância, fuga.

Não estou te dando conselhos, minha querida. Estou te confidenciando minha dor, minha fraqueza. Agora que você já sabe, faça o que quiser com esta informação, inclusive sinta-se à vontade para desdenhar, rir, chorar, jogar fora.

Ao te contar isto, não estou te oferecendo uma cura, uma solução, não. Estou, sim, reafirmando o compromisso que fiz comigo mesma: o de viver.

Minha confidência é um lembrete para mim: egoísta, salvador, mantenedor da minha própria ordem.

Engraçado. Subitamente as meias de lã tornaram-se insuportáveis, A.

Vou dormir.

Aguardo ansiosamente a chegada do SEU lembrete.

Abraço caloroso da amiga,

V.

Nenhum comentário: