sábado, março 08, 2008

Filosofia Barata (2)

O ser moderno.

- Tudo começou por causa daquele bendito curso de artes plásticas que você me recomendou.
- Então a culpa é minha?
- Em parte – disse sorrindo com olhos perspicazes.
- Mas eu avisei pra você ficar esperta. Ele é ou não é envolvente?
- No começo eu achei que sim. Agora não tenho tanta certeza. No fundo, ele é mais um cretino posando de moderno.
- Espera um pouco, Marina. Ele não é cretino.
- Qual o nome que você dá para alguém que usa a Arte como desculpa para perpetuar um comportamento machista pra lá de secular?
- Ele é desencanado.
- Ele é filho da puta. Se são sinônimos para você, tudo bem.
- Mas me conta, o que aconteceu?
- Não aconteceu. E pelo ritmo acelerado do meu desinteresse, não vai acontecer.
Suspirou fundo e deu início ao seu monólogo:
“Enquanto desenhávamos, ele passeava pela sala, observava nossos traços e nossas expressões. Ao final da aula, pediu para que eu ficasse. Precisava conversar comigo. Fiquei. Ele deu mil dicas e sugestões, indicou livros e pediu meu telefone. Ligou. Falou da mulher que sou: interessante, independente, sedutora... queria me ver, me tocar, falou um monte de sacanagem. Do outro lado eu me divertia com a fantasia que criara a meu respeito. Foi direto e sem cerimônias. Queria prazer sem compromisso. Ri ainda mais. Achei a frase digna dos anúncios de jornais da sessão de acompanhantes: “fulano realiza todos os seus desejos, prazer garantido sem compromissos.” Se ele se ouvisse de verdade, o cara moderno e liberal que acreditava ser daria lugar a um troglodita total. “Me deixa te ver”, ele insistia. Eu disse que não podia e realmente não podia mesmo, mas dei corda, no fim de semana nos encontraríamos, sairíamos para tomar um café. “Vamos deixar rolar, ver se a química funciona.” Foi então que a conversa mudou de rumo. Ele: eu te disse que tenho namorada? Eu: não, não perguntei. Ele: não acho fidelidade uma coisa tão importante. Eu: acho lealdade mais importante do que fidelidade. Ele: era importante que você soubesse disso. Eu: é importante que VOCÊ saiba disso. Ele: como? Eu: estou solteira, livre, faço o que quero e quando quero, portanto, não devo satisfações a ninguém. Ele: entendo, digo isso porque não posso ser visto, o encontro tem que ser num lugar discreto. Eu: parece que sua namorada não tem a mesma opinião sobre a fidelidade. (silêncio). Eu novamente: vou ser absolutamente sincera. Primeiro, eu não tenho motivos para me esconder; segundo, mesmo que seja só prazer sem compromisso (e eu não vejo nenhum problema nisso), há que se ter delicadeza, afinal, uma boa dose de cortejo não mata ninguém. Existem pessoas (e isso não é nenhuma novidade), quando bem pagas, que tiram a roupa, transam e vão embora. Sem nenhuma complicação e o melhor, sem compromisso. Ele: não quis te ofender. Eu: não ofendeu. Sacanagem é algo fácil de fazer, principalmente sem compromisso, mas feita assim tão secamente não tem graça, não deixa lembrança, não vira ficção, não marca, é mera contabilidade. Ainda que um encontro seja apenas sexo, é preciso ter cheiro, textura, química, conquista, precisa instigar, desafiar, criar clima, ter vontade de falar difícil, impressionar, ler Rimbaud no original... ele: isso é romance, não sexo.”
- Mas que cretino!
- Como você mudou de opinião! E rápido!

Nenhum comentário: