domingo, novembro 19, 2006

O diário de G.H (8)

A bull in a china room

Eu não queria machucá-la. Não fora essa a minha intenção. Tocar sua chaga aberta fora um gesto involuntário. Quisera estancar o sangue e repor, se possível, o pedaço que lhe faltava.
Foi aí que me lembrei daquela casquinha no meu peito e dos olhos... ah, aqueles olhos! Lembrei-me também do empurrão que ela me dera. Ela instigara-me, comunicara-me de alguma forma sobre a ferida que se abriria nela, em nós. Tentou avisar-me e não compreendi o que seus olhos viram com antecedência.
Depois disso, ela se retraíra no meu interior, mas eu podia sentir perfeitamente a sua respiração.
Eu continuava tropeçando nas minhas muitas pernas, na ânsia louca de reencontrá-la, mas ela parecia não querer novo contato, como se temesse um descuido, um susto, uma dor. Contudo, eu continuava esperando por ela, pelo diálogo interrompido. Esperaria o tempo necessário.
Chegamos a um ponto em que retroceder não é possível.
Aquela eterna angústia, aquele desconforto de não me saber, de não conseguir identificar as tantas partes do meu todo, tudo isso clamava por definições e essa era a minha chance. Não viveria mais tropeçando em mim, não evitaria mais os movimentos por temer arranhar ou quebrar alguma estrutura interna. Estava exausta de pisar mansinho para não afugentar meus ‘convidados’. Convidados qual o quê! Não chamei ninguém para dividir meus cômodos. Eles simplesmente vieram com uma bagagem enorme. Tinham muitas perguntas, falavam simultaneamente, suas vozes uniam-se em coro à minha própria voz. Eu sei, eu sei que vieram para ficar. Dadas tais circunstâncias, compartilharíamos nossas muitas metades.
Adormeci, mas de madrugada acordei sentindo cócegas nas minhas coxas, no ventre, como se milhares de formigas caminhassem sobre mim.
Acendi a luz. Ela deixara um recado.

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