terça-feira, fevereiro 07, 2006

O Diário de G.H. (1)

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Último capítulo, Marco Ricca

Aos parcos leitores

Este diário não é um estudo, não é uma erudição, sua única pretensão é confrontar impressões, estabelecer um diálogo íntimo de alma para alma; ele é apenas a descoberta fulgurante das minhas entranhas, proporcionada pelas repetidas leituras d’A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.
V.

Numa madrugada qualquer de agosto

Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares?
Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto.
O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomariam-me por uma aberração?
Elas não podem me achar, então eu vivo a árdua tarefa de perder-me diuturnamente como no jogo de esconde-esconde. Qualquer hora dessas vou perder-me de tal modo que não mais serei capaz de fazer minha montagem humana. Tropeçarei nas pernas, trocarei os pares de braços e não saberei a quem pertenço. Fecharei meus muitos olhos porque a sobreposição de imagens fatigam minha visão e eu tenho medo das inúmeras verdades que testemunho. Selarei meus lábios para que as vozes não se confundam. É preciso esperar que todas elas adormeçam para que eu possa viver uma vida de cada vez, caso contrário, os anos pesarão sobre meus ombros e antes de envelhecer eu preciso me saber, preciso ordenar os ciclos individuais até tornar-me pessoa.

7 comentários:

Lua em Libra disse...

Ah, minha Lu

Tantos braços e pernas para tropeçar´...
é que têm tanta letra ainda a escrever, naõ é mesmo?
Não é feito de tropeçar esse exagero. É de muito a dizer mesmo, outro tanto a andar. Acredita.

Beijos

Anônimo disse...

Mas é nessa historia de se perder e se encontrar, se questionar e se responder,que está o mistério da vida e de tentar ser feliz, ainda que nessa multiplicidade de possibilidades.
Fico feliz em me considerar uma parca leitora. :)
Onde moras aqui em Brasília? Eu, no Lago norte...
T+

Lu disse...

Minha Lia, as palavras cercam-me, fazem-me a corte, mas eu estou um pouco distante... sei que voltaremos às boas.
O diário é um processo sofrido porque retomo as memórias de V. e fico receosa por invadir memórias que não me pertencem, muito embora V. seja uma criação minha.
Beijos, querida.

Thaline, V. é uma personagem que criei para uma série. Ela morreu, mas deixou um diário para os poucos que tocariam a matéria branca...rs.
Beijo.

Ahhhhh, moro na Asa Norte.

Anônimo disse...

Foi sem querer que entrei aqui...

É que eu também vivo às voltas com tantos braços e olhos e pernas e às vezes eu sou tanto e outras vezes tão pouco. Minutos atrás fui tão medroso quando deveria ter tido coragem, e eu já havia tido, no mesmo cenário a mim tão vital. Mas isso é outra história (minha)...

Eu gosto do seu texto lindo. E Magritte me pinta como se fosse Clarice.

Abraço,
MT

Lu disse...

Mariano, sabe o que regala a alma -a minha, pelo menos - de quem escreve pelo simples ofício de escrever? O inesperado!
Bom chegar aqui e rever as caras já tão amadas e amigas, mas se extasiar com "sem querer que entrei aqui" é algo que as palavras por si só não dão conta de narrar.
Seja sempre bem-vindo para contar ou dividir histórias.
Abraços.

Anônimo disse...

E não somos, todos, muitos? É sempre assim, comum nos perdermos em nós mesmos.

Lu disse...

Não sei, Marcos... mas V. tinha essa enormidade de vida que vazava pelos poros e não a deixava em paz... talvez seu diário nos indique como ela domou suas feras.
Abraço saudoso.