terça-feira, junho 28, 2005

V.,

Eu gostaria de ter metade dessa tua coragem, dessa tua ousadia e petulância de atravessar os salões repletos de gente de cera sem baixar os olhos, sem titubear, sem duvidar da minha postura.

Essa é a verdadeira elegância, V. Não existe passarela que ensine esse modo teu de encarar uma platéia faminta, sorrir docilmente e depois dar as costas como quem não tem nada a perder. Não é um desprezo nocivo, agressivo, é um desprezo de quem realmente não dá importância para títeres.

Não sei exatamente o que tens em mente, mas se a linha reta que traçares encontrar vestígios do Pessoa pelo caminho, transgrida, V! Transgrida da maneira elegante que só você sabe fazer. Há que ter elegância até quando se vai à guerra, minha querida.

É o que tento aprender com muito esforço, porque você sabe que não sou das delicadezas, eu gosto mesmo é de ventar e derrubar as paredes que me isolam. Deve ser meu modo de compensar anos de mutismo e anuência, anos em que fui a sombra da minha sombra, em que eu tinha medo de tudo, medo do escuro e da luz muito forte.

Lembras, V.? Eu era morna e “por não ser nem frio, nem quente, vomitavam em minha boca”.
Hoje sou apenas ridícula e gosto disso porque

"Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,"

Não, minha querida, você é gente de outra sorte...
Continue dando-me as direções contidas no teu mapa.
Beijos,
A.

6 comentários:

Anônimo disse...

é só reinventar uma história. e ser toda coragem, e ser quente. morna é temperatura transitória, seja inteira, nunca fria.

Camila
eloquencia.blogger.com.br

Anônimo disse...

pois é, eu tbm queria ser elegante.......
bjos

Lu disse...

Camila, sinto que é exatamente isso que essas duas pessoas estão tentando vorazmente: reinventar suas próprias histórias.//A.G, se conseguistes ser vil tal qual o eu-poético do Álvaro de Campos, então existe grandeza sob a tua pele.// Liliane, a elegância, a que vez de dentro, a gente constrói tijolo por tijolo, agora se o desenho é lógico, eu não sei :)// Beijos

Lu disse...

Rodrigo querido, assim vou ficar insuportavelmente mal acostumada ;o)

Anônimo disse...

Lu, minha Lu. Fosse eu - ao menos em uma noite de festa - uma pouco V., e estaria tudo resolvido. Quisera ser V. nos dias da Vida, mas não sou. Eis que tenho o cristal das pernas lapidado pelas areias tocadas pelas doidas ventanias dos mares do sul e esta é minha única preciosidade, Lu. Não saberia ser V., minha Lu. Mas tu és. Ela te habita. Deixa, vez em quando, que ela apresente o teu espetáculo. Lindo, texto. Linda, Lu. Linda, V.

Lu disse...

Lia, minha querida, talvez V seja um príncipio criador presente em todos nós, talvez seja preciso lapidar o cristal, como mesmo tu dizes, para que apareça e muitas vezes o exercício da lapidação dói, mas a beleza só aparece quando raspamos. Tanta saudades de ti, Lia. Beijos.