sábado, dezembro 23, 2006

Feliz Natal

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Igreja Basílica Nosso Senhor do Bonfim.

NOITE FELIZ
(Adélia Prado)

Dói tanto que se pudesse diria:
me fere de lepra.
Mas que importa a Deus o monte de carne podre?
Tem piedade de mim, Vós, cujo filho duas vezes gritou,
apesar de ser Deus. Me dá um sonho.
É como se meu pai não me amasse
não tivesse dado a vida por mim.
Só belos versos, não.
Uma linha depois da outra,
tão finamente escritas,
com tão primoroso fecho –
e o que sinto é cansaço.
Basta a beleza própria
da estocada das coisas no meu peito.
Comer, sonhar, talvez morrer, quem sabe?
A morte existe, ô pai?
Sei que na Polônia católica
ninguém escreveu com estas mesmas palavras
na carrocinha de doces:
“para todos e sua família desejo um feliz natal”.
No Brasil, sim, na minha rua,
Usando uma língua pobre e uma caneta de cor,
alguém sentiu o inefável.
Não se perderá o fermento, ó comadre.
Bebem? Não pagam as contas?
- Vamos fazer um teatro...
Tem máscara do boi, do burro,
As vestes de José e Maria,
tem a roupa do homem que negou hospedagem
mas que veio depois, depois da estrela,
dos anjos, depois dos pobres pastores, e mais recebeu.
Porque não merecia.
Sou miserável.
Um monte de palha seca
É a obra de minhas mãos.
Tem piedade de mim,
Desce, orvalho do céu,
Desce sobre nós,
Restabelece o fio das conversas saudáveis.
Traze a fresca manhã.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Fado

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Da série People on the phone. Jonh Foxx.

Acostumamos a nos confessarmos no silêncio das palavras. Somos capazes de discernir se a pena pesa ou não na mão pela forma de nos expressar. Encontramo-nos perfeitamente na ausência de sons.
Mas ontem, finalmente, sua voz alcançou-me e isso pareceu-me um fado cheio de sentimentalidades.
Ouvi-lo foi como reconhecer minha metade perdida.

terça-feira, dezembro 19, 2006

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Anthony by the sea. Nan Goldin


I carry your heart with me (i carry it in my heart)
I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)

I fear not fate (for you are my fate, my sweet)
I want no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than soul can hope or mind can hide)

and this is the wonder that's keeping the stars apart
I carry your heart (i carry it in my heart)

E.E. Cummings

domingo, dezembro 10, 2006

Teorias amorosas (11)

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Heaven can wait. Victor Melo

- Volta pra mim!
- Não posso.
- Me perdoa!
- Você já está perdoado.
- Então volta pra mim!
- ...
- Você não me ama mais? É isso?
- Acho que ainda sobrou algum amor.
- Então por quê? Já sei, é vingança. Você quer me dar o troco, não é?
- Não, não é vingança.
- É o que, então?
- Paz, só paz.
- Eu não te entendo.
- Isso não me surpreende.

Com esta, encerra-se a série Teorias amorosas.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Teorias amorosas (10)

Prometo te querer
até o amor cair
doente, doente”.

Depois de colocar-me definitivamente para fora de sua vida, disse, comovida como o diabo, as seguintes palavras:
“Apesar da separação (tão desejada por ti), continuo amando-te. Não te envaideças por isso. O mérito é todo meu. Independente de ser ou não correspondida, vou amar-te até o fim, até o fim do meu amor”.
Parti. Estava livre, mas sentia-me estranhamente vazio.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Uma pausa para a delicadeza

Saudade. A saudade vazou meu dia, transbordou memórias adormecidas, perfumando o ar com um arome doce e suave.
Aqueles mesmos olhos, o sorriso contido, os gestos tranqüilos e a lembrança de um passado sereno. Paz, uma paz profunda invadiu minha noite, deu-me o conforto da cumplicidade, da conversa amena, do diálogo franco.
E de repente era o mesmo amor, o mesmo cheiro de jasmim, uma ternura tão, mas tão profunda. Senti-me acariciada. Um calor agradável no corpo e a sensação de felicidade.
Há tempos não me sentia assim viva, compreendida, admirada. Ele sabia enxergar a pessoa que sempre fui e sou e aceitava-me sem questionar nada. Não era uma concessão, era um saber genuíno, um estar à vontade completo.
Adão e Eva. Nus. Nenhuma vergonha, nenhum pudor. Nenhuma árvore proibída entre nós. Tudo era permitido num respeito absoluto. Não carecíamos de negociações, éramos só confiança.
Lembrei-me irremediavelmente do Chico: "não se afobe não, que nada é pra já, o amor não tem pressa..."
É, a delicadeza não tem tempo.
Entre chegadas e partidas, encontros e desencontros, entendemos o sentido do "para sempre".
Não tardou muito e a vida prosseguiu seu curso... ele beijou-me as mãos, entrou no táxi para até qualquer dia.
Eu caminhei até minha casa. Na cabeça, a música do Wisnik que ele tantas vezes cantou para mim.

domingo, novembro 19, 2006

O diário de G.H (8)

A bull in a china room

Eu não queria machucá-la. Não fora essa a minha intenção. Tocar sua chaga aberta fora um gesto involuntário. Quisera estancar o sangue e repor, se possível, o pedaço que lhe faltava.
Foi aí que me lembrei daquela casquinha no meu peito e dos olhos... ah, aqueles olhos! Lembrei-me também do empurrão que ela me dera. Ela instigara-me, comunicara-me de alguma forma sobre a ferida que se abriria nela, em nós. Tentou avisar-me e não compreendi o que seus olhos viram com antecedência.
Depois disso, ela se retraíra no meu interior, mas eu podia sentir perfeitamente a sua respiração.
Eu continuava tropeçando nas minhas muitas pernas, na ânsia louca de reencontrá-la, mas ela parecia não querer novo contato, como se temesse um descuido, um susto, uma dor. Contudo, eu continuava esperando por ela, pelo diálogo interrompido. Esperaria o tempo necessário.
Chegamos a um ponto em que retroceder não é possível.
Aquela eterna angústia, aquele desconforto de não me saber, de não conseguir identificar as tantas partes do meu todo, tudo isso clamava por definições e essa era a minha chance. Não viveria mais tropeçando em mim, não evitaria mais os movimentos por temer arranhar ou quebrar alguma estrutura interna. Estava exausta de pisar mansinho para não afugentar meus ‘convidados’. Convidados qual o quê! Não chamei ninguém para dividir meus cômodos. Eles simplesmente vieram com uma bagagem enorme. Tinham muitas perguntas, falavam simultaneamente, suas vozes uniam-se em coro à minha própria voz. Eu sei, eu sei que vieram para ficar. Dadas tais circunstâncias, compartilharíamos nossas muitas metades.
Adormeci, mas de madrugada acordei sentindo cócegas nas minhas coxas, no ventre, como se milhares de formigas caminhassem sobre mim.
Acendi a luz. Ela deixara um recado.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Teorias amorosas (9)

- Alô.
- Susie?
- Quem é?
- Ulisses.
Após seis anos do mais absoluto silêncio, Ulisses resolveu aparecer. Assim simplesmente como se seis anos fossem seis dias.
- Susie?
- Oi.
- Estou na sua cidade.
- Ah, está?
- Sabia que me separei?
- Não, não sabia. Na verdade, eu nem sabia que você havia casado.
- Estou com saudades. Quero muito te ver, sair, conversar, tomar um vinho...
- Me comer... Tudo exatamente como antes, como se a última vez tivesse sido ontem, né?
Cinicamente, ele responde:
- Ai! Você não mudou nada. Continua cortante.
- Também você não mudou nada. Continua um cretino.

Teorias amorosas (8)

Ele quis ver com os próprios olhos. Há menos de um mês atrás, ela andava se arrastando pela casa, chorando as mágoas, sentindo a sua falta e agora, soube pelos amigos em comum que andava em grandes noitadas.
- E é assim que você me ama?
- ‘Alguém’ me ensinou a máxima: vai doer, mas depois passa. Passou.
- Tempo rápido o teu, hein?
- Não culpe o tempo. Ele não mitiga nada. Não é atenuante. Seu único mérito é deslocar o foco da nossa dor. E quer saber? Vá à merda.
- Que ridículo. Depois de velha, ficou obscena.
- Obsceno é o abandono. E velha é a tua mãe.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Teorias amorosas (7)

Ela nervosa: “Você disse que me amava, caralho”.
Ele impassível: “Exatamente”.
Ela histérica: “Exatamente o quê?”.
Ele mais impassível ainda: “Amava. Não amo mais”.

Teorias amorosas (6)

Vivia pelos cantos, amuado, murcho, na defensiva. Era refratário ao mundo ao seu redor. Dormia muito, tanto que já não era capaz de distinguir os dias.
Tentei contato:
- Que tal uma caminhada?
- Não tenho vontade.
- Já sei. Vamos sair, chamamos os amigos, tomamos uma cerveja.
- Vai você.
- Eu vou, mas e você?
Deu com os ombros.
- Esse teu silêncio é o que me mata.
De repente, num estalar de dedos, ele veio de braços abertos em minha direção. Ele sempre agia assim quando lhe faltavam argumentos, tão patético. Esquivei-me dos seus tentáculos. Seu abraço não iria mais abafar o grito:
- Do que você tem medo? Seja qual for o problema, eu não vou te abandonar!
- Talvez eu queira ser abandonado.
Talvez eu queira ser abandonado. Talvez eu queira ser abandonado. Isso ecoava nos meus ouvidos numa avalanche de sinonímia: “cai fora”, “eu não te quero mais”, “acabou”. Foi o que ele disse sem dizer. E se não foi, também não se retratou.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Ash to ash, dust to dust

Perdida. Eis como me encontro.
Não sei onde estão os caminhos que apontam para os recomeços.
Lanço os dados como quem inicia um novo jogo, mas por desconhecer as regras, não sabe como mover o pião. Ah, se eu pudesse, ao menos, discernir entre os pontos de partida e chegada, sentiria algum alívio, algum conforto.
Os dias são sempre iguais, ou pior, eles nunca são iguais aos que desejo. Uma estranha sensação de impotência apossasse-se de mim e tudo o que posso é transbordar meus rios subterrâneos.
Choro porque os dias são cinzentos, porque faz frio na minha alma; choro ao ler um poema, ao ouvir uma música, ao ver uma cena; choro porque colho rosas matutinas, mas não retenho em minhas mãos seu perfume; choro porque não consigo expressar o que sinto; choro de cansaço porque o cansaço é tudo o que me resta.
As palavras tornaram-se ermas. Hibernaram em busca de significados e o inverno, ah, o inverno é tão longo!
Enquanto o tempo arrasta suas horas, minha casa acumula poeira e eu me alimento de terra.

Teorias amorosas (5)

Todas as suas coisas couberam numa pequena valise e ainda assim sobrou espaço.
Passaram o dia mudos, evitando olhares, os mesmos cômodos. Um grande mal-estar tomou conta, a certeza do inconveniente, mas era 31 de dezembro e não dava mais para cancelar a ceia caríssima que haviam pago há dois meses atrás.
Então vieram a noite, as luzes, o brilho, o champanhe e os fogos. Dez minutos ininterruptos de fogos.
Melancólica, encostou a cabeça no ombro dele. Ficaram assim por um momento e depois foram embora.
Ele abriu a porta do carro. Ela pegou a valise e antes de despedir-se, observou:
- Sabe, olhando aqueles fogos, a explosão... acho que finalmente compreendi a nossa história.
- Sei. Breve, mas linda?
- Não. Muito barulho por nada.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Ato de Contrição

Seis meses após o rompimento, esbarraram-se no mercado central. Ela congelou ao vê-lo, seu corpo contraiu-se num espasmo curto.
- Como é bom rever-te bem, Dulce! Estás mais bonita. Emagreceste!
- O mérito é todo teu.
- ?
- Sofrimento combinado à inapetência é um coquetel infalível, meu caro. Deixa qualquer Spa no chinelo.
Sem graça, ele olhou-a bem no fundo dos olhos e com 180 dias de atraso disse:
- Perdoa-me pela minha incapacidade, pela maneira brutal como parti.
Os olhos de Dulce ficaram quentes e úmidos, seu rosto estava em brasa. Ela pensou que despejaria ali toda a sua dor, ira, desprezo e incompreensão. Que finalmente chegara o momento de cuspir todos os cacos de vidros que engolira, o fel; que o esmurraria, que cobraria a conta do analista, da farmácia; que o insultaria e pediria o ressarcimento por todos os danos, pelas poucas horas de sono, pelos dias não vividos, por cada ruga, pela memória quase perdida, pelo riso esquecido, pelos sonhos mofados. Mas para sua surpresa, não disse nada.
- Dulce, se pudesse voltar o tempo...
- Não podes.
- Eu sei, mas se pudesse, ajoelharia a teus pés (e já foi ajoelhando) e imploraria teu perdão. Pediria mais uma ‘última chance’. Eu sei, eu sei... já me deste a última chance pelo menos duas vezes, mas, Dulce, descobri que é a ti quem amo. Eu sinto tua falta.
Respirou fundo. Depois, serena e compassadamente, falou:
- Dá-me uma boa razão. Convença-me que mereces.
Amaro suou frio. Não podia desperdiçar a oportunidade. Então resolveu apelar para Deus.
- Porque és boa, Dulce. Tu és cristã e como tal compreendes que todos cometem erros e se os reconhecem são dignos de uma segunda chance.
Como é engraçado ver o ser humano em estado de desespero. Amaro ali súplice, na sua frente, de joelhos... por muito menos, ela o teria recebido de volta.
- Encontra-me amanhã, às três da tarde, em frente à Catedral.
No dia seguinte, às três horas em ponto, ele estava lá.
Um vendedor de flores aproximou-se e pôs-lhe um envelope nas mãos.
- Uma dona pediu para entregar, moço.

Amaro, podes escolher. Vá 1) PARA O INFERNO ou 2) PARA A PUTA QUE TE PARIU. Para teres certeza da nobreza de minha alma, certifiquei-me quanto aos endereços. Se ambos não forem o mesmo lugar, certamente devem ser casas vizinhas, de modo que não perderás a viagem.
P.S.: Bondade tem limite.
P.S2.: Se tinhas dúvidas, agora sabes: o Diabo também existe.

terça-feira, setembro 26, 2006

Teorias amorosas (4)

Fodeu-me a noite inteira, sussurrando delícias e indecências entre dentes. Ofereceu-me, inclusive o Paraíso que aceitei sem hesitar.
Na manhã seguinte, jogou-me num beco escuro e sem saída. Na plaqueta de identificação lia-se: Jardim do Éden.

quinta-feira, setembro 21, 2006

O diário de G.H. (7)

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Finalmente aceitei o encontro.
Preparei o banho tendo o cuidado de deixar o vapor tomar conta. Mergulhei na banheira disposta a deixar na água todos os meus medos. Eles escoariam pelo ralo e pronto. Seríamos eu e ela.
Habituei-me a chamá-la assim: ela. Não sabia de quem se tratava, mas estava certa do seu gênero.
Encarei o espelho prestando atenção na umidade que escorria por ele e pelas paredes. Não pude conter o gesto. Toquei no seu ‘suor’ e levei a ponta dos dedos aos lábios: tinha gosto de sal.
Passei a mão pela superfície lisa e a imagem dela surgiu. Ela é... ela sou eu! Não escondi o espanto, mas a imagem não respondia aos meus movimentos e expressões, permanecia imóvel, impassível, olhos oblíquos.
Como se lesse meus pensamentos, deixou transparecer sua inquietude e voltou a cabeça em direção ao seu peito.
Esfreguei novamente o espelho e vi aquilo com olhos surpreendidos e admirados. Ela tinha um buraco enorme vazando seu corpo, no peito, exatamente entre os seios.
Estendi meu braço a fim de alcançar sua ferida e de repente a imagem não estava mais lá.

terça-feira, setembro 05, 2006

Vitrine (2)

Não resisti e pedi permissão para postar aqui.
Espero que se enterneçam como eu.

sentei-me comigo. no outro lado da tarde. e já era tão tarde. entre nós o silêncio reconhecido. tarde demais. o de muitos anos. entardecido. a metade do espelho estalado pelos punhos de um monólogo longo a cruel onde às respostas tardias se colaram caminhos escavados com a alma cheia de nada. sentei-me comigo debaixo da oliveira. ao nosso lado o mar e a terrível claridade da água. filtro de todas as tardes metáforas ironias figurações e ecos.

Obrigada Mendes Ferreira!
Beijo.

terça-feira, agosto 22, 2006

Desprezo os covardes porque disfarçam sua omissão sob a máscara da timidez.
Ratos, todos eles! Alimentam-se das sobras do pavor,
Roem nossos sonhos deliciando-se com seus sobejos.
Vis! Incapazes de um gesto ou palavra.
Dormem tranquilamente enquanto pernoito na escuridão.
São tão numerosos! O que podem os gentis contra eles?

sexta-feira, agosto 04, 2006

LuZ

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Basilique de Domrémy. Ricardo Alves.

Escuto Bach.
Meu Deus, que alma translúcida é essa?!
Escuto Bach. Elevo-me aos céus e penso: não pode haver avareza depois de Bach.
Os miseráveis deveriam, pelo menos uma vez ao dia, ouvir a abundância de Bach como prescrição médica.

- Doutor, tenho o coração seco.
- Ouça Bach, meu filho.

Ou então:
- Estou fazendo análise.
- Oh, que ótimo. Está gostando?
- Muuuito.
- Ele é reichiano?
- Não, é bachiano.

Nesses dias de ressaca, Bach é esperança pura. Fecho os olhos, abro os ouvidos da alma e posso ver a vida novamente: amores-perfeitos em flor; rosas amarelas – perfume sem frascos; um céu de azul-infinito.
Enquanto o mar em mim não acalmar, amanhecerei Bach. Todos os dias.

terça-feira, julho 25, 2006

Teorias amorosas (3)

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Antes de sair, ele beija-lhe a testa:
- Feliz aniversário.
Ela sorrindo:
- Não demoro. Nos vemos logo mais.
À tardinha, ela volta com o vestido novo e vê o envelope sobre a cama.
No começo dói, mas vai passar.”

domingo, julho 16, 2006

Teorias amorosas (2)

- O amor pode até acabar. É claro que isso não é bom, é triste, exige uma reeducação, um aprendizado de asas partidas.
- ...
- O que não pode nem deve acabar é a delicadeza do tempo, de tempos vividos.
- ...
- Garçon, um frisante.
- ?
- Brindarei às bolhas.
- O que tem elas?
- São como o fim do amor. Sentimos uma leve cócega ao final do gole que é para nos lembrar que não estamos de todo mortos.

quinta-feira, julho 13, 2006

Vitrine (1)

Veio lá de Portugal essa linda contribuição.
Obrigada, Agripina!


Love transcends. Christopher Lovely. 2006.


Meu amor, guardo-te ainda em mim, com a doce memória de quem te deseja em segredo. Queria-te mas não sei como, não sei onde. Preciso-te assim ausente, desaparecido de mim. Despido, nu e cru. Faz-me só amor. Até sempre.
– Faz-me só amor, peço-te. Percorre-me o corpo, adoça-mo. Quero ter-te em mim, sentir-te quente nos meus braços, sentir-te amargo. Percorre-me de ti, apossa-te de mim, do que me resta assim já morta. Toca-me com um dedo, germina-me. Fecha-me os olhos com saliva, prende-me a boca com mar, ata-me os braços de terra e enleia-te nas minhas pernas, transeuntes cansados. Cospe-me a alma, rasga-me o corpo, descobre-me os segredos e desata-me as lágrimas. Cobre-me de cor e diz-me baixinho: até sempre meu amor, até sempre. Olha-me a cantar, degola-me a sorrir. Gasta-me o corpo, mata-mo até ao fim.
– Meu amor, até sempre meu amor. Até sempre…

sexta-feira, julho 07, 2006

Teorias amorosas (1)

- Eu sempre acreditei que o amor era um objeto cortante...
- Como assim?
- Ao menor descuido perfura nosso coração.

sábado, julho 01, 2006

Is it a joke?

Cinematografia:

- This will hurt.
- Why isn't love enough?
- I fell in love with her, Alice.
- Oh, as if you had no choice? There's a moment, there's always a moment, "I can do this, I can give into this, or I can resist it", and I don't know when your moment was, but I bet there was one.

A vida na sua brutalidade:

- Sim, nos afeta porque amamos...eu fico louca de pensar que alguém está desfrutando um cheiro, um beijo, da pessoa que eu amo...a gente tem o amor como a terminação nervosa.
- Descobri que pessoas não andam; bailam.
- Eu pensei, as pessoas não andam, elas são como as borboletas...tocam levemente o chão e por pouco tempo.
- Somos a nossa melhor piada e isso na verdade é puro desespero. Rir de nós antes que alguém note as feridinhas.
- As minhas feridas eu mesma lambo.
- Verdade... sou lúcida demais para ser feliz.
- As pessoas não estão preparadas para os lúcidos.
- O caminho tem pedras.

Obrigada, Camila!

segunda-feira, junho 19, 2006

Das muitas mortes

Morremos quando tudo dói, quando o simples fato de respirar iguala-se a milhões de alfinetadas na alma, quando - apesar da vontade incontrolável de chorar - não existem mais lágrimas. Tudo está seco: o coração, os olhos, a boca.
Morremos quando o sangue congela nas veias e ainda assim a vida insiste em ficar.

quarta-feira, junho 14, 2006

Do silêncio

O azul de seus olhos esconde o mar revolto em seu peito. Eu não me engano com a transparência dessas águas, elas poderiam engolfar o mais remoto dos pensamentos.
O suposto equilíbrio repousa no fio da navalha, uma escorregadela e o diapasão produzirá sons eternamente distorcidos.
Desvio meus olhos daquela imensidão azul e repouso meu ouvido no seu peito – rochedo que ampara as investidas das ondas.
No momento, tudo o que posso fazer é ouvir o líquido dissolvendo o concreto.

quinta-feira, maio 18, 2006

Sobre violência e queijandos

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Guernica, Picasso. Museu do Prado.

Sempre pensei no Glossolalias como um espaço eminentemente literário, mas depois do post A arte engajada, acho que as pessoas tiveram uma leve impressão do meu entendimento sobre o que é literatura.
Quem já me conhece há mais tempo, sabe exatamente que uso a palavra como uma forma de expressão artística, mas também para realizar minhas catarses e refletir sobre o mundo ao meu redor.
Devido aos últimos acontecimentos, não posso simplesmente me calar. Prometo não ser muito enfadonha nem fazer análise política da atual conjuntura brasileira, mas fica difícil manter-se alheio à crise dos poderes e do Estado.
Após assistir ao último Roda Viva, 15/05/06, fiquei pensando em como somos hipócritas e coniventes com as coisas. Os modismos vêm e vão e aderimos a ele sem pensar.
Lembro-me que, na época do ataque às torres gêmeas, a palavra de ordem era tolerância. Usamos exaustivamente essa palavra e – mea culpa seja feita – eu estou nesse rol.
“Temos que ser tolerantes com os nossos irmãos mulçumanos” – dizia uma manchete de jornal; “o presidente Bush precisa aprender o significado da palavra tolerância” – clamava outro.
Não, não sou pró-Bush!! Não estou defendendo mais violência. Estou fazendo um convite à reflexão, não política, não étnica ou seja lá mais o quê, vamos nos ater ao emprego dessa palavra em expressões da nossa língua.

Na adolescência, tinha uma amiga que sempre desabafava a crise conjugal dos pais comigo. Lembro bem dela me dizendo: “minha mãe não ama mais o meu pai, ela o tolera”.
Na faculdade, um amigo próximo adorava cozinhar e sempre nos chamava para jantar em sua casa. Invariavelmente, no fim da noite, depois de muito vinho, sua esposa expunha a cru a vida do casal, gerando constrangimento em todos. Eu também perguntei-lhe muitas vezes por que não se separavam. Sua resposta era algo parecido com “temos dois filhos e é preciso tolerar essa situação”.
Nem preciso dizer que as crianças eram pequenos tiranos, desajustados, assustados, sempre chamando atenção com comportamento de riscos (brincando com facas, subindo em mesas, etc). Esses mesmos pais toleravam toda a sorte de má criação porque se sentiam culpados e não queriam censurar ‘a liberdade’ dos filhos.

Tolerar é uma palavra ruim, digo, com um sentido ruim. Tolerar alguém é aturar, suportar. Estar numa situação em que aturamos alguém é muito desconfortável. Sempre que tivermos chance de pular fora, vamos pular e aí não mais toleraremos chefes boçais, empregos medíocres, relações falidas, pessoas sem limites.

Tolerar também me lembra via de mão única; passividade; permanência. Tolerar é sempre dizer sim, inclusive quando chega a hora de dizer não.

Mulheres espancadas continuam aturando a “caipirinha do fim de semana” e toda vez que aturam dizem sim ao comportamento violento dos parceiros. Tolerar não gera a mudança.
Homens toleram dondocas perdulárias e com isso elas jamais saberão o real valor das coisas. Serão eternamente perdulárias.
Pessoas toleram ciúme doentio e o doente enciumado vai morrer assim, castrador, desconfiado.
Tolerar negros, judeus, homossexuais na escola, trabalho, vizinhança não nos torna melhores. Isso é o mesmo que dizer, camufladamente, sou preconceituoso e finjo aceitar.
Não vou nem levar em consideração que existe um ganho, sim, em tolerar situações limítrofes, mas deixo essa análise para um psicólogo.

Eu não quero mais tolerar violência, corrupção, desamor, submissão, sobras, preconceito. O que eu quero é voltar a usar mais a palavra respeito.

Cristo, sendo Deus, não tolerou os vendilhões do templo. Ele disse não à conspurcação de um lugar sagrado, expulsando a todos. Talvez se tolerasse o comércio no local sem reação, eles continuassem, mas quando ele chamou atenção para a falta de respeito para com a fé, sua atitude fez a diferença.

Nem com nossos melhores amigos, família, parceiros concordamos o tempo todo. Não é possível, afinal somos indivíduos, mas se há respeito, então, temos tudo. A gente não deixa de admirar essas pessoas porque elas torcem para um time diferente do seu, pela sua cor, credo, orientação sexual, porque são de outra classe social. O que mantém os laços de amor, de dignidade, de humanidade, de ética é o respeito.

Respeito pressupõe, pelo menos, duas pessoas numa relação. O respeito implica mudanças, gera crescimento, amplia horizontes. O respeito dialoga. E a experiência pautada pelo respeito pode trazer alguma dor, um certo incômodo, mas parece que nós estamos muito ocupados para nos incomodar.

sábado, maio 06, 2006

O diário de G.H (6)

Não pude ficar no bar. Estava excitada com a descoberta dos reflexos do espelho. Dirigi, sem direção, cortando ruas, reconhecendo avenidas, perdendo-me em becos. É que eu tenho essa mania de viajar, essa facilidade de me desligar do tempo e me descolar do espaço. Posso passar o dia inteiro debruçada numa janela observando o movimento da rua.
Lembro-me que ele espumava de ódio toda vez que me teletransportava. Podíamos estar no calor da maior discussão, mas se escutasse passos na calçada ou uma música que me tocasse, eu simplesmente não estava mais lá.
De repente, eu não estava mais lá nem aqui. Eu estava no vapor do banheiro, na palavra escrita a dedo no espelho. Era preciso voltar e descobrir não quem eu sou, mas qual delas sou eu.
Estava em casa, sentei-me diante do espelho oval adquirido num antiquário. "É um legítimo espelho da era vitoriana" - disse a vendedora toda afetada. Vitoriana era eu ali, parada, tentando reconhecer minhas verdades. E eu não queria que tais verdades fossem usadas como um pretexto para mentir. Confessar-me poderia ser uma grande vaidade e eu queria me despojar dela; queria tocar nessa coisa áspera que se oculta no breu da noite.
Essa coisa áspera era a tal AIRTEMIS? Quer dizer, SIMETRIA.
O que isso queria dizer?
Simetria seria essa minha pretensa vocação para organizar as coisas ao meu redor? Ordenar as coisas era o primeiro passo para meu processo criativo. Juntar fragmentos, liberar o caos para depois aprisioná-lo. Era como colocar os planetas em órbita. Mas a órbita de fora nada tinha de simétrica com a órbita da minha cabeça e das coisas efervescentes que agastavam meu juízo.
Foi então qu lembrei de G.H, estupefacta diante da barata.
Eu entendia seu horror e sua atração pelo inseto que sempre existira antes de toda e qualquer existência.
Suei frio só de pensar que aquela outra era imemorial. Era a matéria viva tentando rasgar minha pele morta e inexpressiva. Eu só consegueria sair vivificada se a enfrentasse e, numa atitude antropofágica, a devorasse.
Fiquei atenta aos movimentos. Era irremediável o encontro perigoso e necessário.

quarta-feira, março 22, 2006

A arte engajada

Apenas um trechinho da entrevista que a Revista Continente fez com Luiz Ruffato

Você defende que a literatura é uma missão. Pode explicar melhor em que consiste essa missão e de onde vem sua outorga?

Acho que a Arte tem que transcender a realidade, tem que ser testemunha de uma época, de uma sociedade. Eu nasci no Brasil, falo português-brasileiro, venho de uma família de proletários... Ora, não dá para renunciar às minhas origens. A minha literatura é programática. Antes de começar a escrever, em 1996, eu me perguntei se valia a pena, porque não tenho vaidades mesquinhas de escrever para aparecer em jornais e revistas, ser conhecido, essas coisas. Tanto que minha literatura é totalmente dependente das minhas experiências pessoais. A literatura brasileira, com honrosas e raras exceções, não tem uma tradição de representar a classe média baixa (não digo o marginal, pois esse está bem retratado). Então, resolvi encarar esse problema. Me dispus a dar voz e rosto e vida àquelas pessoas todas que participaram da minha vida e que se afundaram no mais profundo anonimato, aquele de que fala Manuel Bandeira, dos que sequer possuem um nome inscrito na lápide. É um compromisso político meu... Quem me outorgou essa missão? Penso que da mesma maneira que nas tribos mais distantes da nossa história, onde cada um tinha uma função, havia também o contador de histórias, que funcionava como uma memória viva das tradições do povo. Não tenho talento para nada a não ser escrever. Então, a mim foi dada a missão de contar a História do Brasil do ponto de vista de quem nunca participou da festa
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segunda-feira, março 20, 2006

O diário de G.H. (5)

O reverso da medalha

Não sabia o que fazer. Estava em choque.
Preocupações menores acorreram ao pensamento: “ficarei com o corpo tatuado?”, “nunca mais poderei usar um decote?”.
O pranto explodiu, um medo repentino tomou-me de assalto, contudo, instantaneamente fui pensando em algo para me acalmar e comecei a cantarolar uma canção. Aos poucos já respirava normalmente.
Corri para a sala, procurei na estante o dicionário de mitos. Artêmis, Artêmis... Artêmis! Achei. A tal coisa havia grafado o nome de forma errada.

“Tida como virgem e defensora da pureza, era também protetora das parturientes e estava ligada a ritos de fecundidade; na Ática, enfatizou-se seu caráter de ‘senhora das feras’. Apesar dessa imagem protetora, Artêmis exibia facetas cruéis: matou o caçador Órion; condenou à morte a ninfa Calisto por deixar-se seduzir por Zeus; transformou Acteão em cervo para ser despedaçado por sua própria matilha e, com Apolo, exterminou os filhos de Níobe e Anfião, para vingar uma suposta afronta”.

Lembrava-me que a morte de Orion havia sido uma fatalidade, um ardil preparado por Apolo, mas isso não vinha ao caso agora. O que essa outra queria me dizer?
As costas voltaram a arder e busquei novamente o espelho.
Gritei para ela ouvir:
- Não quero que se acostume a isso. Meu corpo não é seu livro de cabeceira!
A ardência cedeu prontamente. Olhei através do espelho e minha pele estava novamente lisa, imaculada.
Vesti-me e saí de casa o mais rápido possível.
Entrei no carro, liguei o rádio e dei a partida. Distraí-me ouvindo as músicas e quando percebi já havia passado do bar. Olhei pelo retrovisor e... claro, a palavra era outra!

terça-feira, março 14, 2006

O diário de G.H (4)

As imagens

Há dias encaro esse band-aid com um misto de medo e curiosidade.Ando na casa inteira num vai-e-vem desmesurado, estou ansiosa e impaciente para as visitas. Receio que elas desconfiem do meu caráter duplo e comecem a me encarar com desconfiança.

É certo que não podia viver assim, prisioneira em meu próprio lar ou como um refém dando refúgio ao bandido. E por que eu acho que isso que está em mim é um inimigo? Como posso temer a mim mesma?

Fui até a gaveta da penteadeira e tirei um espelho desses que aumentam. Posicionei sua face em frente ao machucadinho e, de olhos fechados, puxei o band-aid de uma vez só. Abri os olhos e a feridinha tinha cicatrizado!Fiquei intragável por alguns dias, procurando no peito um vestígio do machucado que pudesse me revelar os tais olhos.

Vai ver a minha outra teve medo de mim e cimentou internamente as paredes para não ser mais incomodada. Sinto dizer que é uma bobagem, pois agora estou decidida a saber mais dessa criatura e não vou descansar enquanto não encontrá-la novamente.

Decidida a esquecer a obsessão, nem que fosse por um curto período, resolvi sair de casa e ver pessoas. Foi então que ao prender os cabelos num rabo de cavalo a fim de me maquiar, aproximei-me bem do espelho. Senti que por trás dos meus olhos um outro par de olhos me observava, atento. Puxei a cadeira para mais perto, mas eles já não estavam lá. De repente, uma ardência nas costas, virei-me abruptamente.

Estava lá grafado na pele: A I R T E M I S.

quinta-feira, março 02, 2006

O Diário de G.H. (3)

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Red dress, Michael Austin

A hora do susto

Surpreendentes eram seus olhos quando raspei com a minha unha a primeira camada de pele. Era uma feridinha besta, destas que a gente cutuca para se ver livre, mas eis que sob meu peito saltaram aqueles olhos persecutórios, loucos de vontade de saber quem quebrava a casca do ovo antes da hora.
Havia uma hora prevista para que ela nascesse? Saberia ela que estava escondida em mim ou seria sempre um embrião em gestação? Seu azar foi a tal feridinha causando um certo incômodo ao toque da minha mão e pontas de dedo.
Levei um susto, sem saber se continuava puxando a pele ou dava um jeito de devolver a casca ao lugar de onde tirei. Ali imóvel sob aquela cadeira, encarando os tais olhos, fiquei com essa indagação por muito tempo, até que sua mão abrupta empurrou-me por dentro, impelindo ao salto. Corri para o armário do banheiro: o band-aid dar-me-ia a trégua necessária para saber o que fazer com a tal descoberta.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Um mini impressionista

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As banhistas, Paul Cézanne


Era o nosso último verão juntas. Assim que ele terminasse, iríamos cada uma em busca das próprias aspirações, enfrentaríamos, sozinhas, os nossos medos, sem ter umas as outras para apoiar. Afinal, chega uma hora na vida em que as pernas precisam dar conta do percurso que escolhemos trilhar.
Durante todo o tempo em que ficamos juntas, jamais ousamos falar na despedida, na hora do adeus. Nada havia sido combinado, mas agíamos como se veladamente soubéssemos da existência de um código secreto: se não falássemos, não doeria.
Até que Giulia surgiu com a idéia de um quadro. Havia conhecido no hotel, um jovem pintor francês – Paul – de muito talento. Ela o convenceu a nos retratar. Não imagino como, uma vez que ele falava muito pouco e estava sempre muito isolado.
Fomos todas as cinco ao encontro de Paul numa colina. Chegamos lá e ele não estava. Esperamos minutos, horas e nem sinal do pintor. Começamos a ficar um pouco irritadas com a demora; depois completamente desoladas, resolvemos esquecer a questão.
Apesar de desprevenidas, fomos nadar no lago. Já não nos importávamos se alguém aparecesse. Se isso acontecesse, seria uma lembrança alegre e despojada daquele nosso verão.
Muitos anos depois, quase vinte, nos reencontramos em Paris. Aproveitamos a tarde para conhecer a galeria de um amigo meu.
Passeando os olhos pelos muitos quadros, ouvimos o gritinho histérico de Giulia. Paramos apatetadas diante daquelas mulheres nuas numa colina. Aquela colina!
Lia-se embaixo da tela: As banhistas, Paul Cézanne.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Despedaçar

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Vera Cruz, Artur Marques

Sonhos são sonhos.
De que matéria são feitos? Às vezes penso que são de concreto, resistem às chuvas, à seca, ao calor abrasador e aos invernos tenebrosos mantendo-se intactos, firmes. Noutras vezes, penso serem feitos de fumaça, intocáveis, intangíveis. Basta serem alcançados para que se confundam com o éter.
Ontem à noite, descobri que sonhos são asas de borboletas: delicados, finos e de um colorido estonteante. É assim que quero mantê-los em mim, como asas de borboletas que farfalham daqui, farfalham dali e daqui a pouco rumam para imensidão de um não-sei-onde, vão encantar outros olhos, outras vidas.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

O Diário de G.H. (2)

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Agua(rela) natural, Teresa Santos.


Depois do tumulto

Choveu toda a noite, chuva miudinha, incansável. O céu parecia solidário à minha incompreensão, ao medo da descoberta que fiz quando arranquei a primeira camada de pele...
De repente, o relâmpago e nessa hora eu entendi a poesia das minhas muitas vidas.
Minha angústia, minha pressa de viver foi a responsável por tantas pessoas em mim. O silêncio de não me saber gerou inquietações e a cada interrogação uma vida nascia para responder os meus anseios.
Mas minha busca é pela criatura primeira, aquela que tomou um grande susto diante da velocidade da vida e dos intervalos de silêncio que ela me oferecia a cada vez que não sabia responder as minhas tantas curiosidades.
Um inferno abrasador movia meus impulsos, mas a chuva veio amainar meus plurais e trazer o alívio.
Sou eu quem me vê assim, sou eu quem sabe da desordem da casa, dos tais tropeços, da quantidade de pernas e braços. Poucos podem enxergar o que está por baixo da primeira camada. E eu me mortificava por confundir defeitos com verdades.
A diferença? Nem todos vêem as verdades, contudo, os defeitos exacerbam. As estranhezas saltam aos olhos como um grande abismo, mas as verdades dos meus muitos membros revelam-se para mim, somente, encontram-me na madrugada, nos sonhos, nas sombras que projeto.
A minha mão impõe-me um papel e não há delicadeza nessa procura.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

O Diário de G.H. (1)

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Último capítulo, Marco Ricca

Aos parcos leitores

Este diário não é um estudo, não é uma erudição, sua única pretensão é confrontar impressões, estabelecer um diálogo íntimo de alma para alma; ele é apenas a descoberta fulgurante das minhas entranhas, proporcionada pelas repetidas leituras d’A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.
V.

Numa madrugada qualquer de agosto

Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares?
Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto.
O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomariam-me por uma aberração?
Elas não podem me achar, então eu vivo a árdua tarefa de perder-me diuturnamente como no jogo de esconde-esconde. Qualquer hora dessas vou perder-me de tal modo que não mais serei capaz de fazer minha montagem humana. Tropeçarei nas pernas, trocarei os pares de braços e não saberei a quem pertenço. Fecharei meus muitos olhos porque a sobreposição de imagens fatigam minha visão e eu tenho medo das inúmeras verdades que testemunho. Selarei meus lábios para que as vozes não se confundam. É preciso esperar que todas elas adormeçam para que eu possa viver uma vida de cada vez, caso contrário, os anos pesarão sobre meus ombros e antes de envelhecer eu preciso me saber, preciso ordenar os ciclos individuais até tornar-me pessoa.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Repassando...

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Via
Rubya:

1. Pegue o livro mais próximo de você
2. Abra na página 23
3. Ache a quinta frase
4. Poste o texto em seu blog junto com essas instruções

Eu ia me defrontar em mim com um grau de vida tão primeiro que estava próximo do inanimado.

A paixão segundo G.H. Clarice Lispector.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

De profundis

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Cores de hoje, Teresa Santos

Extasiada, abri o pacote.
Pela primeira vez via a sua pequena letra, pela primeira vez tocava algo que estivera antes em seu poder; uma marca, um perfume.
Não, jamais duvidara da nossa amizade, do afeto que nos une através de tantos mares em que navegamos a espera de um sinal, um aceno, uma confidência... mas agora era diferente – toda nossa ternura materializou-se como se num breve piscar de olhos minha mão alcançasse seus ombros e nos enlaçássemos no longo abraço tão almejado por nós.
Certa vez, disse-me que alguém que ama muito ensinou-lhe a falar sobre as coisas do coração, ensinou-lhe a não represar a força do verdadeiro amor. Eis aí um belo aprendizado, de outra forma, eu jamais saberia o que é ter o horto do meu coração em chamas.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Música incidental

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R. Magritte

...tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...

Sudoeste, Adriana Calcanhotto/Jorge Salomão


São nas horas nuas que me sinto desprotegida de mim e dos meus afetos. É quando tudo ao redor parece sem sentido e vazio...
Uma grande amizade? Virou pó, um porta-retrato antigo sobre o móvel para que eu me recorde de quem não deveria ser esquecido.
Há quem bata as portas sem fazer barulho...
Mas há também os que não se incomodam com o rangido dos ferros e aldravas.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Um mini para o João

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Tedeschi


Quando o cheiro das alfazemas do campo levantava, tudo em mim alegrava-se.
Eu já sabia que aquele cheiro traria consigo a sombra de um par de asas gigantescas riscando o céu e anunciando as delícias da manhã, afinal todos os anos voltava glorioso em seus matizes brilhantes e aveludados.
O vento crispava-se todo de prazer por tê-lo nas alturas, veloz, rasgando o éter; as flores ouriçavam-se em néctar para receber a visita que lhes renovaria a vida tornando-as prenhes de cores.
Vaidosamente, ele sobrevoava as colinas e por fim pousava no meu telhado, confirmando sua escolha, renovando os laços que se estreitavam a cada ano...
Antes de conhecer a brisa e o abrigo de suas asas, as alfazemas pareciam-me inodoras, pequeninas em sua discrição. Mas eis que com sua chegada, pôs em minhas mãos a esperança com sabor de baunilha e engendrou em mim o desejo de vida, de uma vida menos ordinária.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Uma nova conquista

"Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais"
Casa no campo, Zé Rodrix e Tavito


Sabem aquela vontade de um dia ter uma casa de campo?
Um lugar onde podemos nos retirar da loucura cotidiana e nos lançarmos num outro tipo de loucura? A do silêncio, da imaginação, da reflexão?

Pois é, esse lugar agora existe.
Faça-nos uma visita!
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