quinta-feira, julho 28, 2005

Querida V.,

Eu sei que demorei a responder-te, mas não peço desculpas porque a culpa é toda sua. Sim, sua. Foste tão eloqüente na última carta que me senti contagiada pela tua febre hemorrágica. Senti-me indigna de tuas confissões, minha querida, uma vez que estava eu mesma imersa numa grande mornidão.

Foi, então, que permiti que suas palavras entranhassem na corrente sangüínea e resolvi fazer as malas.

Fartei-me de música e bons vinhos. Reatei relações com Rimbaud, Auden, Drummond, Dorothy Parker… antigos amigos que iluminaram noites frias e tardes chuvosas. Quantas vezes a companhia deles salvou-me da solidão!

Estive em tantos lugares. Vi tantos rostos, V! Mas preciso dizer-te que estive novamente em Amboise, querida. Senti uma necessidade, uma urgência em manter contato com o nosso Éden.

Voltei àquele belo jardim. Lembras dele? Frutas silvestres manchavam o chão de um vermelho caudaloso e apesar de singelas, elas me pareciam tão selvagens. Morangos, cerejas, framboesas... selvagens.

O vermelho intenso das frutas chegava a ser ofensivo, ele desafiava a palidez de tantos rostos inexpressivos, parecia gritar para que se rebelassem e também fossem selvagens.

V., depois de muito tempo, eu senti novamente que tocava o barro do qual somos feitos, senti a argila fresca e úmida ali, pronta para ser moldada ao meu bel prazer.

A vida invadiu-me.

Obrigada, V., pelo sopro regenerador.

Amor,

A.

6 comentários:

Vítor Leal Barros disse...

estou a gostar da mudança de direcção... A. revelou qualquer coisa neste texto... até onde conseguirá ela sustentar a coragem?

Fernando Santana Jr disse...

Que bom que alguém ainda pode se sentir repleto de vida por estas paragens!
É bom saber disso.)

Lu disse...

Leal querido, algo começa a germinar no interior de A., contudo, só tempo dirá até onde ela poderá chegar. Aguardo notícias dela :))// Fernando, até quando há dor, há vida. O compasso da latência é que muda. Ainda bem que enquanto indivíduos, temos esses momentos 'egoístas' de felicidade. É preciso reabastecer-se em algum lugar para que não desistamos.// Beijos.

Anônimo disse...

Lu, minha Lu. Adorei os vermelhos caudalosos de A. Tudo tão vertiginosamente quente nessa hemorragia de imagens que sangraste. Obrigada pelas cenas. Beijos na alma. Lia

Anônimo disse...

que pessoa maravilhosa, que traz vida.
bjos

Lu disse...

Minha Lia, surpreendo-me com a capacidade de regeneração dessas duas 'pessoas'. Surpreendo-me com a autonomia que conquistaram de forma que as imagens criadas sejam mérito delas. Beijos// Liliane, V. é sedutoramente perigosa, mas quem disse que não precisamos do perigo? Beijo.