terça-feira, dezembro 14, 2004

A gente já se acostumou (mas não devia) com a violência em todas as suas formas e graus.A gente constata, se entristece, mas não tanto a ponto de rodar a baiana.A violência circula pelos ambientes sem o menor constrangimento, até ganhou lugar na sala de estar.A gente se acostumou a acordar, dormir, trabalhar, conviver com a violência em todos os níveis: criança que sofre maus tratos dos pais, que é explorada sexualmente, mulher que toma porrada de marido, menino de rua que é espancado pela polícia, político metendo a mão na grana do povo, lesando a pátria. Sem contar a violência indireta à qual somos submetidos constantemente: somos obrigados a trabalhar com gente vil, mesquinha e burra, gente que usa a hierarquia para humilhar seus subalternos, gente incompetente para as suas atividades, mas bastante competente para criar desarmonia, enfim, a lista é grande.

Fico observando a época da barbárie e vejo que as coisas não mudaram muito. A gente saiu do domínio do confronto violento direto e se sofisticou.

Ontem tive um dia sofrível, a violência mais uma vez me esbofeteou.É a contra-gosto que escrevo o post de hoje, mas não fazê-lo me tornaria um ser humano pior.

Fiz meu segundo grau no Colégio Marista de Brasília. Foram anos ótimos, cheios de descobertas, transformações, inquietações.Alguns professores foram cruciais na minha vida, estimularam minhas habilidades, foram referência para minhas escolhas e posicionamento no mundo.Eu era um fiasco nas matérias exatas. Detestava os números e as equações. Sempre desconfiei dos resultados absolutos: dois mais dois igual a quatro, pau é pau, pedra é pedra, x = a 11, etc.Apesar dessa briga com os números, eu sempre fui fascinada por Física e Química. Como aquilo tudo era belo, filosófico e “viajante”, meu Deus!

Lembro com muito carinho de um professor de Química. Ele dava aulas práticas no laboratório – espaço tão mágico, repleto de misturas e poções.Posteriormente, ele “deixou de lecionar” para assumir o cargo de diretor do Colégio. Foi/ainda é um ótimo diretor. Diferente dos padres, que tinham aquela cara meio sisuda, ele era compreensivo, e sua experiência como professor facilitou o contato com os alunos, aproximando-nos, permitindo uma relação mais direta.Lembro de tê-lo visto com sua família, em duas ou três ocasiões – provavelmente nas festas do Colégio. E isso já tem uns 15 anos.

Pois bem, ontem, depois de tanto tempo, voltei a ter notícias deste professor.Na primeira página do jornal, li que sua filha foi brutalmente assassinada em sua casa no Lago Sul por um empregado. O caseiro não satisfeito em violentá-la, ainda a espancou, desfigurou seu rosto, estrangulou, esfaqueou e a enterrou no jardim de inverno de sua casa. Depois continuou trabalhando como se nada tivesse acontecido.Isso tudo aconteceu na sexta-feira e apenas no domingo ela foi descoberta porque seu corpo exalava mau cheiro.O crime foi premeditado. A história é muito mais cruel, cheia de requintes de maldade, envolve uma cúmplice... não vou me exceder nisto. Não é esta a minha intenção.

Desde ontem estou mal, imaginando a dor desses pais, o desespero de rever a filha desaparecida em condições tão aviltantes.Instantaneamente, reativei os vínculos afetivos de 15 anos atrás e senti muita dor, uma dor profunda e incomunicável.O rosto do meu professor não me sai da cabeça, os flahes falhos surgem a todo momento na minha memória: sua família nas festas do Colégio, uma garotinha de 3 anos de contornos indefinidos.Que porra de mundo é esse que a gente vive? Quais são os nossos valores? Existem valores? Que garantias tenho que vou voltar pra casa e encontrar tudo no lugar?

Tô passada.Eu tinha que usar o blog para denunciar isso, pra desabafar, pra prestar minha homenagem e solidariedade a essa pessoa que foi tão presente durante um período da minha vida.
Não sei se adianta, provavelmente não, mas aqui dentro de mim, eu precisava.

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