Oito e meia. Corro para o telefone. Ligo em casa e ninguém atende. "Porra, a Isolda ainda não chegou!" Penso no caos que será o resto do dia se ela não aparecer para trabalhar. Não, melhor nem pensar, mais tarde tento de novo.
Nove horas. Depois de entregue os relatórios, me preparo para a primeira aula do dia. A nova turma de estagiários vem para o seminário de história da arte. Corro para não me atrasar. Entro na sala e me deparo com os alunos: uma mocinha esquisita mascando chiclete, garotos com cabelos multicor, um outro que não tem mais piercings no rosto por falta de espaço e lá bem no canto da sala encontro uma moça de longas tranças e sobrancelhas indescritíveis.
É olhar para ela e lembrar de Frida Khalo. Contrariando o programa, resolvo falar da artista mexicana. Ninguém entende nada. Falo e não sinto compreensão nos olhares. Continuo mesmo assim. As horas voam inevitavelmente e meu momento de deleite escorre. Corro penso em Isolda no almoço por fazer, corro.
Onze e quarenta. De volta à minha sala, telefono novamente para casa. Isolda atende com aquela sua voz arrastada. Alívio meu. Pede desculpas pelo atraso, a condução, uma greve, alguém caiu do ônibus. Fico lívida por não conseguir falar. Ela termina a história interminável. Diz que o almoço está quase pronto e que não preciso me preocupar porque ela vai buscar os meninos. Alívio de novo.
Vou à cafeteria. Tenho quarenta minutos de almoço. Corro peço salada, mas meus olhos devoram uma lasanha à bolonhesa. Olho meu prato verde e sem graça. E se...
Devolvo. "quero aquela lasanha". O molho borbulha, ela é vermelha como o sangue que colore o corpo, atraente como o pecado da gula deve ser.
"Não voltarei ao trabalho’. Passo pelo corredor cheio de visitantes, sorrio como se também fosse uma. Entro na sala dos professores pego minha bolsa papéis pastas e saio. Olhos interrogativos espetam-me. Não dou explicações. Amanhã talvez amanhã, mas amanhã está tão distante.
Dirijo pelas ruas já tão conhecidas como se fosse uma turista em busca de um endereço. Páro no parque desamarro os sapatos piso na grama fofa e úmida. Sento. O sol aquece-me, devora-me.
Leio os trabalhos dos alunos. Alguns são péssimos e pergunto-me por que fazem o curso se detestam estar ali. Outros são ótimos entusiasmados apaixonados, têm cheiro de chuva.
Decido comprar roupas novas e coloridas. Estou cansada da sobriedade. Eu nunca fui sóbria. Compro batons de tons alegres corto os cabelos. A tarde voa e eu não sinto.
Em casa, Isolda assusta-se ao me ver. Eu sorrio de sua expressão. Sinto-me um ser interplanetário. Dispenso-a. As crianças surgem limpas e cheirosas e por um momento estranham. No minuto seguinte correm até mim com olhares de aprovação: "mamãe, você está bonita", escuto em uníssono. Bonita. Já nem lembrava que podia ser bonita.
Anuncio que jantaremos fora. Vamos comer sanduíches, beber refrigerantes, mergulhar em sobremesas calóricas. Eles apressam-se. Suplico que não corram, eles estancam. Depois o riso corre frouxo. Como não correr?
"Desculpe, professora". Volto abruptamente. É a garota-Frida Khalo que esbarra em mim. Olho o relógio. Ainda tenho vinte minutos. Corro corro corro...
(Luciana Melo – no prelo)