Esse texto que publico aqui depois de muitas estações a nos separar surgiu a em 27/08/12. Ele foi escrito depois de assistir emocionadíssima ao Hugo Cabret e dividido em forma de e-mail para um dos muitos “passeuntes” que transitam por nossas vidas.
Revi o filme inúmeras vezes e, hoje, lembrei-me do conteúdo escrito há dois anos. Isso é o tipo de conversa que eu teria contigo, meu querido Vítor. Tu terias (e tens!) a sensibilidade de compreender o que vai no mais profundo do meu coração.
Revi o filme inúmeras vezes e, hoje, lembrei-me do conteúdo escrito há dois anos. Isso é o tipo de conversa que eu teria contigo, meu querido Vítor. Tu terias (e tens!) a sensibilidade de compreender o que vai no mais profundo do meu coração.
Beijo imenso e Feliz Natal.
Tua Lu
Eu AMEI o Hugo Cabret. Tudo. A história, o cenário, a velocidade (ou a falta de) que Scorsese impôs ao filme, os detalhes das engrenagens do relógio e da vida, a história da criação e o mais intenso de tudo pra mim foi o diálogo fino e constante com o tempo, esse misterioso senhor que conduz nossas vidas de maneira tão aleatória.
Tenho certeza absoluta que esse não é um filme para crianças. Embora o diretor tenha confessado que fez esse filme para o neto, que a ele dedicou toda a fantasia do filme, esse não é um filme para crianças. Pode até tocar uma e outra, mas ele é mais do que entretenimento e esta, é claro, é minha leitura tão contaminada pelos meus amores e apreços.
O tempo e suas muitas faces
Não tive como não lembrar do Drummond (esse poeta por quem eu sou tão totalmente apaixonada e entregue). O tempo e suas muitas faces: o tempo esperança, o tempo desencanto, o tempo corrosão, o tempo morte e o tempo vida. O tempo cronológico, o tempo sem plano de voo, enfim, o tempo.
Na sua procura pelo entendimento dos acontecimentos da vida e pela luta contra a solidão, Cabret encontra Isabelle e ela, sem saber, é a resposta (pobre ou terrível) do seu "claro enigma". Ele nem precisou perguntar: "trouxeste a chave?". Ela era a chave para tantas portas que Hugo mantinha fechadas.
E lembrei-me do velho Osman no Avalovara em O relógio de Julius Heckethorn. Julius foi um relojoeiro assassinado na Segunda Guerra Mundial, que construiu um relógio que evocava a ordem astral e o aleatório da vida, sem nunca deixar de se preocupar com tempo do Homem. O jovem alemão (judeu) "quer evocar as conjunções do Cosmos, mas poeticamente; não apenas a móbil ordem celeste, mas a harmonia de imponderáveis que permite a um homem encontrar a mulher com quem se funde, que faz nascer uma obra de arte, uma cidade, um reino". Julius cria uma engrenagem sui generis nesse livro. Essa engrenagem reproduz em espaços aleatórios de tempo a Sonata em Fá Menor de Scarlatti (http://www.youtube.com/watch?v=k77yDXEOSQY).
A máquina de precisão desse relógio abriga um leve desvio, porque com isso Osman quer guardar a centelha do caos e do vazio no qual se origina o novo. O autômato me lembrou muito a engrenagem de Julius. Lá o tempo grandioso mostra sua imponderabilidade por meio de uma mensagem que é mais do que mensagem, é a prova de que o tempo em sua plenitude atinge a todos, em épocas e vidas distintas: Georges, o pai de Hugo e o próprio menino. O tempo liga tudo e todos em sua maneira muito peculiar de tecer e cerzir seus fios.
Não tinha Scarlatti em Hugo Cabret, mas tinha Erik Satie e a maravilhosa Gnossienne.
O tempo corrosivo que fez do inspetor um carrasco, porque internalizou e reproduziu tanta dureza... o tempo que não ensinou esse homem a expressar o amor por uma mulher ou sorrir ou mostrar algum tipo de humanidade; o tempo morte, que levou toda alegria e magia da vida de Georges, transformando-o em mais uma alma que vaga sem saber a razão; até que o tempo (delicado e esperançoso, que não aceita ser uma peça sem propósito dentro da engrenagem da vida) do Cabret cruzou a vida dessas pessoas e alterou o fluxo de suas horas.