sexta-feira, janeiro 26, 2007

Homenagem ao maestro

Ele foi ecologista antes das questões ambientais estarem na agenda mundial.
Para você Tom, muito mais que músico.

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Brasil: Um país lindo e com nome de árvore. O Pau-Brasil é hoje uma raridade. O Brasil era um paraíso, um país mateiro, grande Nação Florestal. Floresta com onça, anta, macuco, madeiras preciosas que nem foram utilizadas mas queimadas, as queimadas que começavam em Minas e iam até as praias do Espírito Santo. Queimar; fogo, sempre fogo na fabricação demente, insana, do deserto. Depois vinha a chuva e carregava os restos e vinha o sol e cozinhava o chão. Ao lado a voçoroca, o buracão profundo. Insensatos. A superfície da terra virou uma moringa, uma telha.
Amanhece no interior do Boing Jumbo 747 da Varig. Lá embaixo Minas, Zona da Mata. Não tem mais mata. Estamos chegando... cadê a Floresta Atlântica? E a terra despencando morro abaixo. Um compatriota, sentado ao meu lado diz: Os americanos já destruíram suas matas, seus índios; nós temos os mesmos direitos... Meu Deus, o que que os índios pensarão disto, o que as árvores pensarão disto? Chico Mendes falou na TV americana em bom português: vão me matar, não mandem flores, deixem as flores vivas na floresta.
Com legendas, em inglês.

Tom Jobim.

terça-feira, janeiro 23, 2007

As matriarcas (3)

Maria Antônia da Anunciação. D. Antônia. Vó Totonha. Mulher forte e homem da casa. Levava a família na rédea curta. Sempre solicitada nas horas de aflições. Criou sete filhos e alguns irmãos. Trabalhou feito louca para que nunca faltasse o necessário. Rigorosa na educação. Temente a Deus. Suas feições duras escondiam um bondoso coração. Com a chegada dos netos, o franzido da testa atenuou-se.
Ensinou-me a fazer contas. Toda a tarde tomava-me a tabuada com direito à prova dos nove. Ralhava quando me via contar nos dedos, coisa que ainda hoje faço. Ela esmerou-se, mas sempre fui péssima em matemática, não tenho a menor afinidade com os números.
Coisa que eu gostava era vê-la costurar. Fazia coisas lindas. Lembro-me de um vestido de casamento todo de organza. Sonhei com ele por muitas noites, imaginando-me naqueles saiotes rodados, flutuantes. Ele tinha flores aplicadas que ela mesma fez. Recortava os moldes, passava goma no tecido e depois metia-lhe o ferro quente para moldar as pétalas. Eu olhava tudo aquilo maravilhada, com olhos de admiração e cobiça. Um dia teria um vestido como aquele, cheio de flores e laços.
Vovó Totonha sempre fez minhas roupas. Só comecei a usar roupas de lojas no colegial, quando minha mãe comprou meu primeiro jeans. De resto, tudo era feito por vovó. As outras meninas morriam de inveja porque minhas roupas eram únicas. Nunca corri o risco de ver alguém com o mesmo modelo. Não sabia eu que a exclusividade das minhas peças não era um capricho ou vaidade, mas contenção de despesas. Melhor assim, ao invés de carregar o trauma da pobrezinha, desfilei com brejeirice o prêt-a-porter de vovó Totonha.
Ela também me ensinou a bordar, fazer crochê, capas de almofada, trabalhar com retalhos... de todas essas atividades manuais, a única habilidade que me restou foi manejar a caneta e isso também devo a ela que alternava a lição da tabuada com as aulas de caligrafia. Eu adorava desenhar as letras na pauta, vê-las transformando-se em palavras redondinhas sobre o papel.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

As matriarcas (2)

- Desfaz esse bico, Tiziu! Anda, diga, o que você faz em São Pedro?
- Eu ajudo meu pai.
- E o que seu pai faz?
- Ele é ferreiro. Conserta as carroças e bicicletas de todo o povoado.
- Parece divertido.
Ele deu de ombros.
- E a escola?
- O que tem?
- Como o que tem? Você estuda, não estuda, Tiziu?
- Estudo, mas não gosto muito. Eu gosto mesmo é de correr por aí no meu cavalo.
- Uma coisa não impede a outra
Mudou de assunto:
- A dona é parente do Nhô Agenor?
- Não.
- Então o que veio fazer aqui?
- Uma pesquisa.
- Não entendi.
- Quero saber sobre algumas pessoas que viveram aqui.
- A dona é da polícia?
Não pude evitar o riso. Sua pergunta continha tanta excitação e aventura.
- Não, Tiziu. Eu conto histórias e elas viram livros.
- Ah! – exclamou todo frustrado.
Minha vez de mudar de assunto:
- Tiziu, será que seu pai me aluga uma bicicleta? Acho que vou precisar de uma.
- Claro. Depois eu levo a senhora lá na oficina para escolher uma bem bonita.
- Ótimo.
- Chegamos.
A pensão do Agenor era um casarão estilo colonial, antigo, mas bem conservado. Móveis rústicos, toalhas de linho, portas pesadas, assoalho brilhando e um cheiro forte de óleo de peroba.
- Vou pegar suas malas.
- Obrigada.
Agora que eu já recuara no tempo, deveria ir até o fim. Sabia que não se tratava de uma história qualquer.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

As matriarcas (1)

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O trem finalmente pára na estação. A velha maria-fumaça gemeu sobre os trilhos por todo o percurso. Trezentos quilômetros de ranger de ossos.
Desço e o chefe da estação grita as boas-vindas. Ele ainda se veste como os antigos chef de gare do final do século XIX. Sua roupa não tem um único vinco, o quepe está impecável em sua cabeça, mas a estação está abandonada, tudo é só pó, paredes rachadas precisando de tinta. São Pedro das Missões parou no tempo. Todas as coisas têm cheiro de passado.
- Por favor, como faço para chegar até a cidade? Poderia me conseguir um táxi?
O chefe sorriu:
- Em São Pedro não temos táxi ou ônibus. Mas posso conseguir uma charrete.
Uma charrete!! Meu Deus, o povoado ainda usa charretes. Depois de trezentos quilômetros trepidando num trem ainda terei de agüentar uma boa meia hora numa carroça.
- Pois que seja.
- A dona não é daqui, vê-se logo. O que a traz a esse fim de mundo?
- Meu ofício.
Saquei da bolsa minha cadernetinha de anotações. Chico do táxi. Chico, segundo relatos da vovó, era o único do povoado que tinha carro. Um velho Ford amarelo que ele usava para prestar socorro aos moradores. Nunca cobrava pelos serviços.
- o que aconteceu com o Chico do táxi?
O homem arregalou os olhos como se tivesse visto uma assombração. Será que disse algo errado?
- O Chico morreu, dona. Faz três anos.
- Lamento muito. Deixe que eu me apresente. Sou Olívia, neta de Totonha, bisneta de D. Lola.
Pensei que o homem fosse morrer na minha frente. Ficou paralisado com uma estátua de sal.
- Minha avó contou-me muitas histórias daqui.
- Prazer, D. Olívia. Desculpe o espanto, mas tem tanto tempo.
- Eu sei. Estive aqui uma única vez. Eu tinha sete anos na época. Retive algumas coisas na memória e pelo que vejo, não mudou muito. Achei que fosse ter um impacto, mas sinto-me como a menina de sete anos.
- É, as coisas não mudaram muito mesmo. Vou chamar um moleque para levá-la até a cidade. A senhora deve está cansada.
- Estou mesmo. Diga-me, a pensão do Agenor ainda existe?
- Existe, sim.
- Tiziu, ó Tiziu vem cá, menino.
Tiziu era um garoto negrinho como a noite, mas tinha olhos enormes e um sorriso tão branco e largo que espantava qualquer medo ou receio. Porque devo confessar, estava receosa com os fantasmas que encontraria.
- Olá Tiziu. Eu sou Olívia. Poderia me deixar na pensão do Agenor?
- Posso, sim, dona. Tenho o cavalo mais rápido e valente daqui.
- Então, vamos.
- Tiziu, não vá em disparada. Não apronte nenhuma com a moça.
Ele amuou e murmurou um “tá bem” a contragosto. Agradeci ao chefe da estação. Quando a charrete ia adiantada, ele gritou:
- Esqueci de dizer, sou mestre Antônio.
Acenei com a mão e respondi.
- Eu sei.

Um poema que me marcou...

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"Em legítima defesa
Sei hoje que ninguém antes de ti
Morreu profundamente para mim
...
Os outros estão mortos porque o estão
Só tu morreste tanto que não tens ressurreição
Pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
Onde antes te encontrava e te posso encontrar
E ver-te vou como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e
Vives sempre mais."

in Volume II - Ruy Belo

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Feliz Aniversário!!!!

No último dia 7, o espaço Sincronicidade fez seu primeiro ano de vida.
Que venham muitos outros, Vítor.

sábado, janeiro 06, 2007

De volta à programação "quase" normal

Filosofia barata (1)

- E se tudo não passar de uma grande ilusão? Se estivermos todos mergulhados tão profundamente no sono que passamos a acreditar que isto é real?
- Como assim?
- Esquece. É mais um dos meus delírios, mais uma das minhas tentativas de colocar lógica, alguma razoabilidade na vida.
- És doida.
- Eu sou – riu-se.
- Essa paz de que falas, que almejas fica cada dia mais distante, não vês? Nunca a terás se quiseres controlar tudo, entender tudo, explicar tudo. Há coisas que não se explicam, são os mistérios insondáveis da alma, da vida.
- Estás a dizer-me que somos títeres? Um bando de levianos?
- Não, estou a dizer que somos diferentes e temos padrões éticos e morais conflitantes. Há quem ache banal coisas que consideras importante. E o que vias fazer? Passar a vida em dor ou aceitar que toda essa gente não é par para ti, mas pode ser para outros?
- Sou obtusa, incontestavelmente – debochou.
- Sabes que é isto que te salva da insanidade? Teu humor ácido, tua ironia, teus deboches.
- Cada um defende-se como pode.
- É quando não te levas tão a sério que posso ver tuas asas.
- Não tenho intenção de escondê-las, mas sim de usá-las sem medo ou restrição. Mas há tantos muros...
- Sempre haverá, mas tens a opção de voar alto, acima deles.
- Então compreendestes, finalmente, o meu dilema.
- Compreendi?
- Voar acima deles instalará tal distância que o convívio tornar-se-á impossível e ficar próxima limita-me a envergadura.
- Alguns dilemas são cárceres, labirintos sem saída ou, no máximo, de uma saída só: matar ou morrer. Outros, porém, são multifacetados; abrigam muitos caminhos, promovem a busca do equilíbrio, entendes? Podes traçar um plano de vôo onde tuas asas toquem as duas extremidades.
Ela riu.
- Do que ris?
- Dessa conversa, da tua amizade, do diálogo em espiral...
- Explica-me.
- E sou eu quem gosta de explicações!
- Minha culpa, minha máxima culpa.
- O riso vem do prazer de ter alguém confrontando sem guerras, do cuidado em confortar e buscar – juntos e de modo inclusivo – alternativas possíveis, do movimento quase cênico em apresentar idéias, como se bancássemos o advogado do diabo um do outro.
- Tudo filosofia barata regada a bom vinho.
- In vino veritas.