segunda-feira, julho 04, 2005

"Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta, olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa"

A., minha querida,

Sabe o que é mais impressionante? Você escrevendo sou eu pensando. Enquanto leio tua carta – ah!, tuas cartas são sempre tão anseadas, querida! – fico imaginando quantas coisas vis passam pela minha cabeça.

Elas nascem e morrem e não consigo executar um único pensamento vil. Não, a explicação não reside no fato de eu ser boa ou um modelo de bondade, A. Acho que minha incapacidade de ferir deve-se ao fato de ter sido ferida demais, de ter aprendido na pele a pior rima, a mais pobre e talvez a mais difundida: amor com dor.

Hoje só sei rimar amor com liberdade, A. Não, de fato, não é uma rima sonora, melódica ou rica mas é plena de significado, querida.

Já comecei a traçar a minha rota, A., e descobri que as retas podem ser tão ou mais perigosas do que as curvas sinuosas.

O amor tentou-me com todas as suas faces e eu voltei a sangrar. Perdi tanto sangue nos últimos dias que pensei que fosse morrer.

Abortei todos os filhos que acalentei em sonhos, querida. O meu corpo, em luto, chora.

A., todas as vezes que ensaiei o salto mortal, a rede de proteção era ocultada e a minha única reação era sangrar como quem antecipa a queda.

A diferença, minha amiga, é que desta vez não estancarei o sangue.

Beijos hemorrágicos,

V.

4 comentários:

Anônimo disse...

pessoas que dizem o que pensamos é a sincronia maior da existência- talvez seja sua alma gêmea.

Camila
eloquencia.blogger.com.br

Anônimo disse...

parece que V. decidiu viver...e decidiu viver tudo, porque a vida é rosa mas também é espinho...o mais importante é ter profundidade suficiente no olhar para que se possa admira-la...

um beijo do tamanho da distância que nos separa...estou em dívida eu sei, tenho andado num corre, corre...prometo n demorar na resposta

Lu disse...

Camila, foi muito bom encontrar essas duas interlocutoras, elas são, sem a menor sombra de dúvida, um grande exercício de libertação.//Leal, saudades de nossas conversas, mas eu espero bem tranqüila. Quanto à V., eu acho que ela está crescendo horrores. Descobri que ela tem uma fome ancestral e não vai sossegar enquanto não provar o doce e o acre da vida.// a.g., você é uma figura queridíssima! Sim, eu sei. Não sei explicar a razão, só sei que sei e isso basta.// Beijos.

Lu disse...

Querido Rodrigo, você sabe que escrever é o que me mantém viva e lúcida. Sobre amar, isso dá um tratado, mas eu acredito que quando uma relação amorosa se estabelece, ela tensiona mesmo porque ela nos exige o máximo como seres humanos e quando estamos tensionados, os conflitos emergem. Conflitos, mas não desarmonia.
Como você bem me conhece, eu não gosto de distâncias mesmo as equidistantes e o amor é um exercício de jardinagem é preciso cuidar para florescer... penso que a V. agora vai pagar o preço da cegueira.
Beijos