quinta-feira, junho 16, 2005

Bolor

Da janela, ela observa o casal de velhos. Eles passeiam religiosamente todas as tardes, braços dados, passo miúdo, nenhuma pressa.
Sentam-se no banco e ficam apenas observando a vida e os transeuntes. Não se falam. Vez ou outra, olham-se numa sincronia de cabeças para logo mais voltarem a contemplar simplesmente.
Meia hora depois, levantam-se, um apoiando o outro e rumam para casa.

Da primeira vez que os viu, pensou maldosamente: “sob o sol, vão tirar o cheiro de mofo.”
Na segunda vez, destilando toda sua amargura, pensou que a falta de diálogo que ela observava devia-se ao peso dos anos e do desgaste que era ter sempre a mesma pessoa ao lado. Nenhuma novidade, nenhum fogo, apenas a rotina.
Mais tarde, num misto de piedade e repulsa, imaginou que o passeio deveria ser para trazer um pouco de cor e luz para uma relação já tão esmaecida pelo tempo, onde o próprio apartamento denunciaria o quanto de pó ele guardava.

Ela já os acompanha há quatro meses, e hoje, seu olhar é outro.
Tem pena de si mesma e uma certa inveja do casal, porque no fundo sabe que uma relação requer cumplicidade e silêncio; que o tempo está a nosso favor quando temos a disponibilidade e a generosidade de aceitar o amor em todas as suas fases até o serenar das paixões; quando somos capazes de construir paredes ornadas com quadros e memórias com lembranças.
“A gente esquece que o tempo também pode ser um aliado.”

2 comentários:

jayme disse...

Bonita a descrição. Beijo!

Lu disse...

Obrigada, Jaymito.// a.g, penso que subestimamos muito mais vezes do que é necessário; ou por despeito ou por imaturidade. Se a gente enquanto indivíduo passa por transformações, o que dirá uma relação a dois! Há que se ter sabedoria.// Beijos